Observação do fim à distância

domingo, junho 12, 2011

A agenda de montagem do duo provocou, inevitavelmente, uma reaproximação da breve história romântica de Angelina e Gabriela, contida em Sem Palavras, para investigação da essência de Nega e Lilu. Acabei bastante estimulada para revisitar o conto, que me pedia revisão antes mesmo do início da edição final do livro. Distanciada das primeiras motivações criativas e traduzindo Virgínia Woolf para o Português, ficaram mais perceptíveis fragilidades desse conteúdo, que vem sendo comentado, transformado e difundido pelo Projeto Esfinge.

Numa revisão já concluída, atuei sobre excessos, primordialmente. Reavaliei entradas e saídas de sentenças e optei pela objetividade a fim de dar elegância ao texto. Repensei pontuação mais livre e busquei alguma variação vocabular. Palavras mais ricas me ocorreram enquanto lia alguns trechos que, por conta das escolhas coloquiais se privaram de profundidade, mas preferi não adicioná-las porque não pertenciam àquele tempo.

Engoli palavras. Preservei o mistério. Conectei assuntos que estavam desassociados em diferentes parágrafos, definitivamente consciente da amálgama que funde a trama.

As correções mais importantes dizem respeito à revisão de tempos verbais que, por conta da minha própria confusão (tendo um conto premonitório sendo escrito, construindo o presente e recriando o passado), continham equívocos que não se sustentariam nem com defesa de proposta estilística.

Mantive algumas estruturas importantes que, originalmente, trazem variação da pessoa verbal. Mas tive que dar e elas certa padronização para que se justificassem com coerência. No capítulo I, por exemplo, Angelina conta para Gabriela como tudo ocorreu, sob seu ponto de vista, com leve exercício de onipresença ‒ o que confere à história o status de ficção dentro da ficção logo de cara.

Já no capítulo II, temos Angelina ainda como narradora de uma prosa que se desenvolve agora em primeira e terceira pessoas. Para a narradora é algo como uma lembrança do fato ocorrido muito recentemente (há alguns minutos, ontem, nesta semana). Nessa parte, existe um único desfoque e que permanecerá na obra como licença poética: Você era minha. Coincidentemente esse é o texto utilizado na intervenção de rua da ação Mensagem na Garrafa do Projeto Esfinge, em Frankfurt.

A mesma estrutura narrativa está presente no capítulo III que, na nova versão de Sem Palavras, ganhou cortes e sutil interrupção, dando passagem ao capítulo IV que, por sua vez, sofreu inversões de parágrafos e deslocamentos frasais.

O restante da parte três torna-se então o novíssimo capítulo V, justamente o trecho em que, conforme o texto original, a Nega deixa de contar a história. Assim, o conto se encerra com narrativa em terceira pessoa apenas. Confesso que não havia percebido esse movimento de afastamento do ponto focal para observação à distância. Não considero a variação como um erro técnico, mas como recurso literário justificado a partir da “estética da esquizofrenia” presente na obra.

Com toda a preservação, temos um outro conto a partir de uma simples reestruturação espacial. Se antes ajustado a um fim reticente e esperançoso, agora amadurecido, Sem Palavras assume um encerramento digno.  


O conto Sem Palavras está contido no romance literário de ficção, Nega Lilu, que começa a ser publicado neste blog, diariamente, a partir de 6 de novembro de 2011.

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