Aprendi com Mary Shelley
domingo, junho 16, 2013
Originalmente, o último capítulo de Sem Palavras não compunha a história escrita por Laura Passing e Brisa Marin, mas encontrou ali seu lugar, encerrando o conto com a Nega solitária, buscando num caleidoscópio uma imagem perdida. Obcecada, permanece por tempo indeterminado construindo e destruindo, construindo e destruindo universos cromáticos em busca daquela figura ideal, formada por um triângulo pontiagudo vermelho, que abrigava uma borboleta, que abrigava um grande olho verde berilo.
Foi assim talvez porque seja desafiador o exercício de recriação, porque tinge a face de sangue, e exerce fascínio incontestável, sobretudo entre aqueles que sentem pesar, culpa. Gente miserável que alimenta a ideia fixa de que a vida poderia ter sido diferente e, ao invés de construir de um jeito novo, prefere reconstruir para restabelecer − como intrépidos que edificam com peças de dominó obras que róem inacabadas.
E me lembro do best seller de Mary Shelley, do doutor Victor Frankenstein que não admite a perda da noiva para a Morte. O médico tem a Ciência. No entanto, ao ressuscitar Elizabeth costurada, ele a perde para sempre. Tê-la de volta seria como amaldiçoar aquele Amor, condená-lo à impossibilidade.
Pra dizer que, um pouco antes de pensar sobre a possibilidae de reescrever o conto Sem Palavras, conforme revelado no post Reflexões sobre o exercício de recriação, vivi momentos maryshellianos com as mãos trêmulas e o coração aflito, na casa de Dona Aldeni, na companhia da fotógrafa Lu Barcelos (leia também Novas práticas de recriação).
A par das desgraças da recriação, para ilustrar a capa do catálogo da série de performances A Fuga, o nosso desafio era a produção de uma outra imagem, representativa daquela capturada em plano sequência no filme A fuga. O piso vermelho encarnado era o mesmo, a linguagem era outra (fotografia e não mais cinema), todo o resto também, incluindo pessoas, plumas, sentimentos.
Era assim.
Ficou assim.
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