Insulto no Banco do Brasil

terça-feira, dezembro 01, 2015

Fotografava bundas. A coleção de imagens feitas em supermercados já passava de oitocentas, naquele domingo à tarde. Trocava compulsivamente de fila, atrasava seu atendimento obcecado por novos exemplares femininos e masculinos. Mais de vinte anos de busca particular.

Quando o tempo era analógico e transcorria mais devagar, cada registro fotográfico era um investimento, um deleite, um risco também. Tarado! Gritaram mais de uma vez. Logo o termo saiu de uso e nunca mais se identificou com insultos modernos. Com o advento dos smartphones, acreditava que seu hobby havia sido estimulado. Porque todo mundo agora tirava foto do objeto de desejo. Ele, no entanto, não os publicava no Instagram.

A metodologia havia sido desenvolvida na década de 1980, quando tinha vinte e poucos anos e se achava esperto demais. Saia pra rua com sua Rolleiflex e encenava. Quem caísse na trapaça, admirava seu interesse pelas espécimes vegetais, no Jardim Botânico ou no Aterro do Flamengo. Chapéu de aba curta, camisa apertadinha, bermuda dobrada na barra, chinelos de couro, barbicha e óculos ajudavam na composição que simulava o artista europeu perdido na Cidade Maravilhosa. Obviamente um cineasta italiano ou, às vezes, francês, nos dias em que apostava em gestos mais delicados. Muito foi aprimorado ao longo de décadas e toda aquela dramaturgia caiu por terra quando perdeu-se a cerimônia do ato sacralizado por Man Ray, Lewis Carroll e, até em enterros, faziam os chamados selfies.

Mas tudo começou antes disso. Observava bundas desde que nasceu. Babava no popozão da babá. Até os 18 anos nunca reprimiu o olhar viciado, aquele que não se evita, aquele de praxe toda vez que cruzava na rua com mulheres. Você deixou de ser menor de idade, Celsinho, tem que assumir responsabilidades, orientou a mãe, rainha do eufemismo, como quem diz: pega leve, rapaz. A consciência do ato intrínseco mudou a vida do garoto, que haveria de confirmar o arquétipo dirty old man.

Decisivo foi aquele episódio durante as férias, ainda moleque não tinha mais o que fazer em casa e acompanhava o pai até o banco. Mesmo naquela época, renegociação de dívida já levava tempo demais. Então, tinha à mão um gibi pra enganar o tédio e, entre uma página e outra, perdia o foco observando a fauna subserviente que circulava por ali, levando presentes, eventualmente.

De repente, ela entrou. Otário, quem não viu. A moça de uns 30 anos caminhava no fundo de um aquário com longos cabelos esvoaçantes. Obviamente, carregava consigo brisa própria. O hálito parecia espetacular também! Atravessou o setor de pessoa jurídica que tinha outro nome e se posicionou, impaciente, em frente à mesa em que meu pai era atendido. Jesus, Maria, José. Usava uma calça que, com pequena modificação, chamam hoje de legging, bastante aceita em todas as academias e também no calçadão. Aliás, esta peça de vestuário mudou muito a paisagem do Rio.

Quer sentar? Perguntou ele, que tinha olho na nuca. Não. Disse suavemente, fuzilando a gerente, intensificando a batida do salto da sandália no chão. Curioso é que ninguém insultava os deuses naquela época. E sem mais, cansou-se de esperar.

O menino lamentou que menos de dois minutos tivesse se passado, no entanto, alegrou-se de estar vivo para acompanhar a indelével saída da cabrocha, discretamente registrada pela gerente.


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