Estratégias sinceras para tapear a obsessividade

quarta-feira, novembro 25, 2015

Daft Punk em alto volume era Alceu Moreira decidido a mudar de vida. Começou parando de ouvir a seleção imbatível de R.E.M. que o acompanhou por muitos anos, sem que houvesse necessidade de nenhuma outra canção na vitrola. Nenhuma. Queria fazer diferente para fazer melhor. Depois de se sentir cutucado pela paz, num sábado inesquecível em que cozinhava para si, desejava agora a liberdade.

Que bom que tinha dinheiro para pagar todas as contas do mês, precisava buscar pensamentos positivos. Ao inspirar, mentalizava bem-estar. Expirando, relaxava na rede, ainda que sol e vento lhe secassem a cara. Alegria era não ter asma. Tudo corria bem.

Verifica então esseemeesses que chegaram à noite. Nem sinal dela. Nada, nadinha. Após algumas associações viciadas, dorme e, às 6h13, acorda. Ela!

Faz mentalmente a agenda do dia, elege prioridades. Trinta minutos depois, saciado e planejado, respira o hálito e segue para o banheiro. Encontra o espelho, avalia a tez, o desenho do nariz mudou de novo, banha a face com água fria, suspira, xixi. Ideia fixa. Liga o computador e coloca a roupa pra lavar no modo 11. Informa a senha de entrada, abre a porta da sacada, deita na rede, levanta e recolhe o lixo: escritório, banheiro e cozinha.

Abre a geladeira e escolhe o café da manhã. Se joga na cama praticando salto parafuso e ensaia um texto. Cochila até as 8h04. Levanta para atender o telefone irritado. Insuportável esse pessoal que insiste em vender colchões, viu!

Come maçã e iogurte enquanto publica um “bom dia”, na rede. Lembra que o CD da Beth Gibbons está sumido e vai procurar. Rola Beth Gibbons para escovar os dentes e bota pra fora o lixo. Repõe sacolinhas no banheiro, cozinha e escritório. Acessa o Twitter e canta o refrão. Fecha a porta da sacada, arruma a mesa de trabalho e anota tarefas pra secretária. Interrompe o processo de lavagem e atende o telefone. Promete um encontro pra tarde, mas fica na dependência de um compromisso prévio que só vai confirmar na hora do almoço. Stand by. Exercita consciência terapeutizada, deixa o notebook de lado e vai pro quarto reunir a roupa que está no chão com cheiro de cu, fechar as portas do guarda-roupa e definir lugar para arquivar documentos importantes. Volta na sacada e sente medo porque existem 233 e-mails não lidos. O quarto ainda é um lugar seguro e rola masturbação. Soneca de 40 minutos. Fome. Post inspirado no Facebook, que tem 47 notificações, incluindo convites para eventos, publicações de grupos chatos e marcações nada a ver em fotos suas que não são fotos, que não são suas. Tudodotutu-tudodotutu-tudodotutu... mas não atende. Passa a perna esquerda sobre o travesseiro de apoio. Número dois. Libera a máquina pra lavar a roupa, abre a geladeira em busca de água com gás e sente um cheiro desagradável. Pode vir dar faxina na segunda, Lucinha? Suspira. Banho de 15 minutos pensando em xoxota. Momento de decisão: cumprir ou não cumprir a agenda do fim de semana, avaliando prejuízos. Veste a cueca da Mulher Maravilha e camiseta branca pra iniciar o dia. Responde meia dúzia de e-mails. Tudo sob controle.

Mas tudodotutu... Não, não quero comprar colchões. Sim, você já me ligou hoje, vê se me esquece.


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