Mensagem na garrafa: intervenção urbana (Salvador, Bahia)
segunda-feira, fevereiro 13, 2012
Diário de bordo
por Daviane Ribeiro
Dias antes de
viajar um amigo me falou: “Se prepare para ser devorada, a cidade é antropofágica”.
Um conselho desses não é de se jogar fora, aceitei. Abri meu corpo para ser
devorada e para devorar... tudo no lugar pulsava tenso e intenso. Pessoas e
mais pessoas, lugares e mais lugares e quando tudo parecia ter sido visto, a frente
algo ainda mais impressionante apresentava-se como um aviso de que muito ainda
tinha que ser vivido. No fim a sensação de que devo voltar, que impossível é
viver todo o lugar, pois é muito, demais, insuportável de tanta beleza e
informações para ser sentido e compreendido em uma só vida.
A tensão na
cidade devido à greve da Polícia Militar me fez ainda mais pensativa. Não foram
poucas as vezes que fiquei questionando o medo (de pessoas, de bandidos, de
polícia; de pessoas). “Viver é um perigo!” conclusão constante que não me
impediu de conhecer a cidade e nem de realizar a intervenção do Coletivo
Esfinge – Mensagem na Garrafa.
O Enudus
(Encontro Nacional Universitário sobre Diversidade Sexual) encontrou o contexto
mais que adequado para se realizar... Salvador vibra cores e sabores diversos e
destoantes dos padrões, pede mais atenção, cuidado, respeito... humanidade.
Evento e cidade se casaram (diariamente). Os debates, mesas e comunicações
orais, além de apresentações artísticas e festas, em todo o tempo davam notícia
de política, teoria, prática e limitações a serem buscadas e ultrapassadas...
seres humanos a serem formados.
A UFBA, local
de alojamento e realização do evento, recebeu em sua biblioteca uma mensagem na
garrafa, lugar banhado por outras obras, que pedia coisa nova. O pensamento de
que pessoas em buscas de que ao passarem por ali encontrariam também
palavras de Nega e Lilu, foi determinante.
Fotos: Daviane Ribeiro e Arthur Oliveira. Intervenção: Daviane Ribeiro. Apoio: Duh Brito. |
No dia dois
de fevereiro, festa de Iemanjá, a orla baiana recebeu a mensagem em lugares
sedutores que atrairiam os olhares atentos, dos olhos de ver das pessoas que
ali estavam. Iemanjá recebeu oferendas de pessoas dos lugares mais diferentes
do mundo, mas todas do mesmo mundo. O que insistia era a frase: “todas as ciências
de baixa tecnologia” (O Rappa)... me contentei por achar que tal síntese era o
mais próximo de uma resposta sempre incompleta para tais fenômenos.
Os cartões de
Nega e Lilu também foram usados como chave, representação de como a obra chegou
até mim. Colocados em lugares corroídos pelo tempo e maresia, cadeados e
correntes que podem ser abertos, estar abertos e serem convites para a
abertura. Achei coisa de Nega e Lilu querer deixar tais convites para que assim
outras pessoas abram (a si e os outros).
Em Itapuã,
encontrei Vinícius de Morais, me sentei ao lado dele e entendi a admiração do grande.
A vista é realmente linda, de se ficar sem palavras. A praça que existe em
homenagem a Vinícius recebeu uma mensagem. Ficou ali, feito tatuagem as
palavras de Nega e Lilu, em pilastra às costas da estátua do poeta, frente a
algumas músicas e poemas, compondo assim o lugar. Infelizmente (ou não) somente
quem passar por aquele lugar poderá ver (caso até lá ela também não tenha sido
devorada pelo tempo e pelas pessoas), pois devido ao clima insustentável de
medo e preocupação, levar maquina fotográfica era risco desnecessário de se
viver. De logística singular a mensagem encontrou casa e ao que me parece ficou
bastante à vontade com a vontade do lugar.
Realizar a
intervenção foi coisa louca, daquelas boas, de sentir parte, dentro e fora.
Combinou com o lugar o momento e fez sentido. Teve cara de Nega e Lilu e de
Lilu e Nega, de se ficar sem palavras. Salvador aprendeu o mantra: Liluuuuuuu,
Liluuuuuuu, Liluuuuu-uuu, Lilu, Lilu...
E o coração
fez: tum-tum, tum-tum no corpo todo.
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