O episódio da Nega filé
terça-feira, março 06, 2012
A decisão de ficar de calça
colocava em suspeita sua condição de Nega legítima àquela altura. Da primeira
vez poderia ser qualquer uma das razões que levam uma amante a permanecer na
posição de quem oferece prazer ao outro apenas. Sempre rola tesão o bastante
para que uma segunda vez esteja garantida, ainda que sustentada por
curiosidade.
Já a partir da segunda ou
terceira vez em que uma Nega resiste à nudez, hipóteses sórdidas passam a
habitar os pensamentos da outra Nega, cujas percepções do romântico podem
conduzi-la à desistência ou ao aceite de convite de namoro. No entanto, antes de
mais nada, passaria rapidamente por sua cabeça que, vibrando aos 45 graus ali
na cama, aquele poderia ser um caso transgênero.
De outra forma, mais simples e
menos compromissado seria dar tempo ao tempo para que se resolvessem empecilhos
relacionados à menstruação, timidez ou depilação. E interessante era observar
que nenhum desses entraves a haviam impedido de atacar a outra Nega, submetida
até aquele momento às miseráveis penalidades impostas pela calça.
Mas foi Rolland Barthes quem
disse que “a espera é o tempero do amor” e nele as Negas acreditam e se roem de
ansiedade na porta do paraíso. Acontece que noite dessas, no sofá da casa de
família, aquela Nega topou facinho despir-se pra outra, sem que houvesse
artimanhas de convencimento. Nem flores, nem trilha sonora especial, nem poesia
ou promessas de prosperidade.
E uma conheceu, finalmente, a
harmonia morena e sinuosa do corpo da outra, aquela mesma que quis devorar como
um pedaço generoso de carne, agora disponível. Examinou com urgência o desenho
dos lábios entre as coxas, catou geral, fez gozar, respirou aliviada a
atmosfera adensada pelos olores que movem montanhas, sentiu uma coisa boa, levantou-se
de pronto, agarrou a saia, vestiu a blusa, afivelou os sapatos lentamente
percebendo por sobre os ombros o olhar atento da Nega ainda ofegante.
Disse com carinho: Tô indo
embora, meu bem...
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