O episódio da Nega indígena

quinta-feira, março 08, 2012


O jambú mexeu severamente com os sentidos da Nega estreante numa experiência gastronômica regada por sequíssimo vinho tinto. Nos últimos minutos, administrava o desejo crescente de se atracar com a Nega do outro lado da mesa, desastrada e romântica, num beijo explícito constrangedor da audiência, quebrando a louça, apagando a vela, derramando a água. Sensual, aquele sorriso de olhos nos olhos era insuportavelmente.

E no carro, as Negas guardavam no íntimo seus planos. A boca calava o misterioso pacto compartilhado somente com a flor do norte, na degustação de aridez aerada.

O beijo sem fim de uma Nega percorreu todo o corpo da outra por sete vezes, uma tinha fome e a outra se deixou comer. Dormiram sem perceber ainda coladas quando o último fio de energia se apagou, anunciando a chegada de sol, tão fraquinho, tão fraquinhas.

Logo a cidade zumbia lá fora com pressa de chegar e a Nega estreada despertaria fazendo manha pra encontrar a seu lado a outra Nega, refeita, atenta a um ponto infinito evidentemente ocultado no teto branco, recitando um silencioso texto xamânico.

Uma perguntou se tudo estava bem e a outra, lívida, respondeu que sim, após alguns segundos. Havia sido interrompida, mas permaneceu mirando o outro lugar mesmo ao receber os primeiros carinhos da manhã. Acometida de generosidade latente, evocando o aroma do jambú em seu paladar, era a Nega querendo retribuir todo gozo. Faminta estava a outra.

― Por favor, não! Ordenou a Nega xamã. Te quero muito. E posso te machucar.

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