Isso me contou a minha mandíbula num domingo de manhã │ Mariana Carpanezzi (DF)

terça-feira, fevereiro 21, 2017

Fiz uma pergunta sobre o coração partido, e a resposta veio de outro lugar.

É que as mandíbulas, ela disse, são o oráculo verdadeiro, a boca que abre profecias, e eu venho te dizer. Que entre um músculo e outro, ducto paroctídeo e ptegorídeo lateral, existem algumas letras suas que ficaram pra trás. Nascidas do seu peito estômago intestino, e às vezes de outros espaços até menos prováveis, em mim é onde morreram aquelas palavras, meu amor, perdidas entre o aqui e o ontem, que você esqueceu no não dito, no desdito, no esquecido e no falado pouco demais. 

Guardo pra você aquilo que você não quis dizer na última hora. Tudo o que não conseguiu esquecer, mas que também não tem vontade de lembrar.  Guardo com cuidado as frases que atravessaram veias, garganta e outros túneis pra chegar aqui sem encontrar a coragem que precisavam pra passar pro outro lado. E é nos meus dentes, sim, que você aperta forte Aquilo Que Quase, Por Pouco.

Veja só, que tudo que inventaram pra falar de mim é feio demais. Goela, mandíbula, ptegorídeo, glote. Mas sou eu, e é o seu bruxismo, que estancamos a sangria daquele lado do seu coração que ficou estragado.

 

 Ilustração: "Monstro" de Mariana Carpanezzi


Mariana Carpanezzi vive em Brasília, onde escreve, desenha e faz livros improváveis. Publicou O mundo sem anéis em dezembro de 2015, e Porque tudo começa do mesmo lugar em 2016 – este ultimo em parceria com a ilustradora Luda Lima. Publica pelo Supernova e pelo Longe, dois selos independentes formados por amigos, amor e vontade de espalhar letrinhas subversivas por todos os lados.

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