A vivência artística que originou
a fundação do Coletivo Esfinge e as ações que comentam, transformam e difundem a
história ficcional de Nega & Lilu estão em curso há três anos e meio agora.
A versão bruta do livro Sem Palavras
já tinha sido finalizada em novembro de 2011 e não sabíamos bem o que fazer com
o conteúdo — era preciso testá-lo, era necessário identificar seu público, a
aceitação da temática e a amigabilidade de seu formato pouco usual, inédito no
mercado literário brasileiro.
No 3 de janeiro de 2012, depois de
mergulhar em Grande Sertão: Veredas,
decidi então abrir um blog para dar vasão à produção. Em homenagem a Machado de
Assis (em Dom Casmurro), promovi a
fusão do nome das duas protagonistas do livro e o batizei de Nega Lilu. Como
todo o conteúdo do livro é datado, porque é composto por chats e e-mails
trocados por Laura e Brisa, achei coerente que a publicação dele, no blog, fosse guiada pelo
dia e pela hora em que a correspondência ocorria entre as personagens. Com deslocamento
de dois anos, topei conduzir um processo de recriação a partir do emparelhamento
de passado e presente, no espaço virtual.
A lacuna entre 3 janeiro e 6 de
novembro de 2011, quando os primeiros conteúdos passariam a ser
disponibilizados, precisaria ser preenchida de alguma forma. A ideia era
preparar o leitor, instigá-lo para a chegada das meninas, oferecendo a ele literatura
cuja diegese (realidade da narrativa ficcional) contemplasse o momento
posterior ao final de Sem Palavras,
como se fosse uma continuação que se antecipasse à obra principal, uma história contada de trás
pra frente, num processo construtivo em tempo real.
Até a chegada do carnaval, quando
comecei a divulgar o blog, produzi pequena quantidade de conteúdo não publicizado,
convidando à leitura apenas meia dúzia de bons amigos e recomendei: fiquem à
vontade para me destruir. Mas nenhum deles costuma seguir meus conselhos e
fiquei sem feedbacks críticos. Havia,
no entanto, o silêncio como incentivo.
A democratização de acesso à obra
se inicia então, pelas redes sociais, no dia pré carnavalesco em que,
encorajada por mim mesma, resolvi colocar o “blog na rua”. Fiz experiências no
Facebook, ainda com perfil pessoal, e pedi ajuda ao jornalista amigo Rodrigo Oliveira
pra desvendar o Twitter, durante um cafezinho, depois das 19 horas. Os
trabalhos do Coletivo Esfinge sempre tiveram apoio importante da imprensa
formal (jornais, rádios e TVs), mas é nas mídias sociais que Nega Lilu se
esparramou, seu ambiente natural, território de sua criação, desenvolvimento e
sustentação.
Tenho formação em Comunicação,
mas confesso que experimentei muitíssimo por falta de conhecimento das
ferramentas, pela ausência de fórmulas pré-existentes, pela especificidade
desse produto artístico, pela dinâmica voraz e consumista da convivência em rede e também
pela aventura de me lançar, sendo uma ariana às vezes típica. Aprendemos com
acertos e muitos erros, estamos em constante aprimoramento, atentos ao
comportamento das massas e curiosos pelos detalhes, idiossincrasias encantadoras
que possam fazer de nosso trabalho algo inspirador.
Comecei a escrever desembestada, parei
aqui para respirar e perceber o que eu estava fazendo. Nada de novo, mais um
recorte histórico desse trabalho que já conta com mais de 100 colaboradores em
todo o mundo. De um jeito intuitivo, devo estar buscando lucidez para
compreensão plena e para alcance da dimensão do que fizemos, de como nos
movemos até aqui, sublimando o presente, me ocupando do futuro que vem chegando
devagarinho para dar passagem a Sem
Palavras, que suportou a espera e, desde ontem, está pronto para fluir.
A leitora crítica contratada para
degustar Sem Palavras, a escritora
Lucia Facco, foi criteriosa e cuidadosa em sua análise, não destruiu sonhos,
mas não tapou o sol com a peneira. Profissional e madura, fez um ótimo trabalho
nos alertando para três pontos que ela não considerou positivos na obra. Só
apontou as fragilidades depois de reparar nos pontos fortes, o que nos estimulou
a suportar muito bem qualquer comentário que viesse em seguida, certamente colocado
com elegância e delicadeza.
Além de sugerir enxugamento no
grande volume de texto original, Lucia Facco também aconselhou que observássemos
a linearidade da história contada. Para ela, Sem Palavras deverá conquistar menos o público que prefere ficção
com barracos e finais óbvios.
Sabemos que uma das maiores
virtudes deste romance literário é sua arquitetura, sua estética pouco provável,
pouco experimentada até o momento pelo mercado literário. No entanto, boto fé
que o enredo e a narrativa dessa história têm charme em sua monotonia encantada,
sacana, dolorosa. Como canções do R.E.M.
Mas Nega & Lilu tiveram seus
barracos sim, o leitor vai encontrar três ou quatro. E eles têm um certo senso
de humor que será reconhecido pelos mais familiarizados com o tempero
britânico. Outros, menos sensíveis, encontrarão ali a ironia e o sarcasmo: subterfúgios
toscos diante de tamanha sofisticação. Hahahahahaha, desculpe, não resisti.
O fim? Ah! o fim. Procurei tanto
por ele. Muito mesmo: viajei, me tranquei no quarto escuro − dentro e fora de
mim. Procurei atenta e desatenta para que ele me achasse então. Entre agosto e
novembro de 2010, espreitando muito de perto, aberta para o que viesse, sem me
abater demais ao ponto de me abandonar. Quando veio até mim, o fim era começo
da noite, não o deixei quarar sequer. Não surgiu pra encerrar, era um recorte
do meio.
O leitor terá acesso a uma versão
de Sem Palavras com 320 páginas, mas
originalmente, o romance se encerrava com 411, quando foi aprovado pela Lei
Goyazes e antes da consultoria da escritora e leitora crítica Lucia Facco, que
nos alertou para a necessidade de abreviarmos caminhos para se contar tão breve
história. Já faz um tempo que, dificilmente, a literatura de ficção que sai das
livrarias tem mais de 200 páginas.
Mas a história de Nega & Lilu
não chega a ser um calhamaço. É que a estrutura do romance tem base na
arquitetura e na estética da correspondência no ciberspaço, ou seja, chats e e-mails
trocados pelas personagens principais. Muitas vezes, o leitor vai encontrar uma
palavra por linha, avolumando o impresso, dando a ele corpo, peso, responsabilidade,
porque permanece na cabeceira por um tempo mais, sem pretensões de ser um
clássico. Mas consciente e desejoso de que pode ser lembrado, como obra de
nosso tempo.
Recentemente, colocando o papo em
dia com Valentina Prado, comentei que sentia que Sem Palavras ocupava um não-lugar. De maneira não calculada, ele
foi parar numa gaveta vazia, sem conseguir dialogar com nenhuma outra obra, por
enquanto. Não é literatura, alguns vão dizer. Como quem se precipita dizendo
que o trabalho do Coletivo Esfinge não é Arte. Talvez porque tenha como fonte
criativa um conteúdo não formatável que não se enquadra, porque é de sua natureza se
movimentar e transbordar.
Fato é que nada de muito “novo”
na Arte Contemporânea me parece novíssimo o bastante quando se aproxima do jeito
que fazemos. Preste atenção que não estou me gabando de inovar, somos apenas
inegavelmente atuais. E nem todos conseguem ser, ainda que estejam vivendo e
produzindo agora, para sempre.