O histórico mais consciente da obra que comenta, transforma e difunde o conto Sem Palavras revela que a primeira ação do projeto Esfinge consiste na realização de uma tatoo. Publicação precoce, corrupção do efêmero, eternização, concessão do corpo enquanto moradia, encruzilhada de dois mundos.
Cada qual tem um jeito de lembrar seus mortos e, até então, era mais isso do que qualquer outra coisa, no entanto, Carlos Yahoo ‒ que pode ser o que quiser ‒ concedeu àquele gesto simbólico e solitário o status de body art. Reparou no curativo e, correndo o risco da indiscrição, perguntou do que se tratava. Respondi: Texto. Minha piração é tatuar textos, os meus.
OK. Me mostrou então uma de suas tatoos, informando que as outras cinco estavam “escondidas”. Enquanto perdíamos o foco do trabalho, ele se sentiu à vontade para contar que também tinha um texto para gravar na pele, uma espécie de mantra recitado sempre no início do dia. Como palavras que fortalecem para o combate.
Naquela tarde, Carlito planejou me emocionar duas vezes: quando recitou despretenciosamente a reza concebida por ele, dentro de uma cova, e no momento em que manifestou o desejo de emprestar seu corpo para a difusão da obra Nega Lilu.
A Esfinge é livre e indomável. Pensei: voa, vai.
A Esfinge é livre e indomável. Pensei: voa, vai.
Um desenho criado pelo publicitário e designer gráfico Paulo Batista, a partir da tatoo executada por Paula Dame des Chats, no corpo da autora, no primeiro semestre de 2010.
Organicidade, conexão e desconexão, elaboração nos extremos sem, porém, perder a limpeza e a fluidez do movimento. Tudo a ver com Nega e Lilu.
Quer namorar comigo?, dizia o torpedo recebido por Nina. Namoro deve ter um significado diferente pra você, respondeu.
Namorar pra mim é falar e ouvir, passear no parque, apresentar músicas novas, sair pra comer alguma coisa, dormir juntinho... E isso a gente já faz, insistiu a Nega. Como houve silêncio, voltou a argumentar, porque não é mesmo de ficar calada: O fato de você ser casada não nos impede de namorar, mas de contrairmos matrimônio. Que pena, porque era isso que eu tinha em mente..., sapecou Nina, obrigando a Nega a investigar os humores daquele texto.
Como num conto de fadas, era 5 de maio de 2011, dia histórico pro povo brasileiro, em que o Supremo Tribunal Federal reconheceu, por unanimidade, os direitos civis da união homoafetiva. E por volta das 20h40, o assunto de Nina e Nega continuaria por email: "Querida, a partir de seus planos manifestados, tomei providências hoje mesmo junto ao STF. Bora namorar?"
De um jeito que é só dela, vinte dias depois, Nina teve resposta pra dar. Assistindo ao último noticiário na TV, levantou-se vagarosamente, foi até a cozinha, tomou dois copos d’água e se trancou no quarto com o marido para uma conversa séria.
Disse: Sou uma mulher livre. E ele retrucou: Eu já sabia.
Naquele dia, recuperando-se de pneumonia, Dilma Rousseff havia declarado que “não vai ser permitido a nenhum órgão do governo fazer propaganda de opções sexuais”, justificando a suspensão da produção do kit anti-homofobia (elaborado pelo MEC), após protestos da bancada religiosa no Congresso.
Vídeo do Kit Escola Sem Homofobia (o kit anti-homofobia)
Estou aqui, cheia de medo e coragem.
Aquela mesma suíte de motel havia sido o cenário do último encontro com Morena, que topou acompanhar Laura Passing numa noite em que não seria uma boa ideia deixá-la sozinha. Distanciada no tempo, agora aquela ocasião nada romântica ‒ porque a angústia ocupa o espaço da fantasia ‒ parecia mais um gesto generoso da amiga querida do que um chamado dos hormônios.
O beijo que sempre funcionava as levou para a cama, depois de pouca conversa. Laura estava reticente, invadida por pensamentos alheios e sóbria, depois de algumas cervejas e um baseado. À Morena pertencia a lembrança indelével dedicada somente ao primeiro amor, deliciosa ilusão que ocorre uma só vez na vida daqueles que não são Vinícius de Moraes e a Nega, gente devotada ao primeiro amor platônico, ao primeiro amor consumado e suas variações, igualmente inesquecíveis, originárias de estreias sem fim.
A jovem historiadora, estudiosa dos primórdios das questões de gênero, surgiu na vida de Laura depois de dois amores marcantes não consumados e durante o primeiro casamento. Morena foi única em sua passagem, que teve Coldplay na trilha sonora, especialmente o álbum Parachutes. Por isso, estar naquele motel, naquela suíte, aninhada nos braços de Nina enquanto ouvia Yellow trazia libertação e esperança ao coração de Laura Passing.
Desde então não teve mais notícias da amiga querida, cujo recorrente movimento de saída fora acompanhado de dor e mistério. Envolvida num relacionamento triangular imaturo, ausente de diálogo e cheio de tesão, Morena talvez tenha se sentido como um pedaço de carne supra desejado. E sobre ela havia muitas hipóteses, certamente mais obscuras do que as formuladas acerca de Lilu, ainda aprisionada nas entranhas da Nega!
A jovem historiadora, estudiosa dos primórdios das questões de gênero, surgiu na vida de Laura depois de dois amores marcantes não consumados e durante o primeiro casamento. Morena foi única em sua passagem, que teve Coldplay na trilha sonora, especialmente o álbum Parachutes. Por isso, estar naquele motel, naquela suíte, aninhada nos braços de Nina enquanto ouvia Yellow trazia libertação e esperança ao coração de Laura Passing.
Desde então não teve mais notícias da amiga querida, cujo recorrente movimento de saída fora acompanhado de dor e mistério. Envolvida num relacionamento triangular imaturo, ausente de diálogo e cheio de tesão, Morena talvez tenha se sentido como um pedaço de carne supra desejado. E sobre ela havia muitas hipóteses, certamente mais obscuras do que as formuladas acerca de Lilu, ainda aprisionada nas entranhas da Nega!
Yellow (Coldplay)
Look at the stars,
Look how they shine for you,
And everything you do,
Yeah, they were all yellow
Look how they shine for you,
And everything you do,
Yeah, they were all yellow
I came along,
I wrote a song for you,
And all the things you do,
And it was called Yellow
I wrote a song for you,
And all the things you do,
And it was called Yellow
So then I took my turn,
Oh what a thing to've done,
And it was all Yellow
Oh what a thing to've done,
And it was all Yellow
Your skin
Oh yeah, your skin and bones,
Turn into something beautiful,
Do you know?
You know I love you so,
You know I love you so
Oh yeah, your skin and bones,
Turn into something beautiful,
Do you know?
You know I love you so,
You know I love you so
I swam across,
I jumped across for you,
Oh what a thing to do
'Cos you were all yellow,
I jumped across for you,
Oh what a thing to do
'Cos you were all yellow,
I drew a line,
I drew a line for you,
Oh what a thing to do,
And it was all yellow
I drew a line for you,
Oh what a thing to do,
And it was all yellow
And your skin,
Oh yeah your skin and bones,
Turn into something beautiful,
Do you know?
For you I'd bleed myself dry,
For you I'd bleed myself dry
Oh yeah your skin and bones,
Turn into something beautiful,
Do you know?
For you I'd bleed myself dry,
For you I'd bleed myself dry
It's true, look how they shine for you,
Look how they shine for you,
Look how they shine for...
Look how they shine for you,
Look how they shine for...
Look how they shine for you,
Look how they shine for you,
Look how they shine...
Look how they shine for you,
Look how they shine...
Look at the stars,
Look how they shine for you,
And all the things that you do
Look how they shine for you,
And all the things that you do
A América do Sul era o destino. Caberia a Nina a escolha mais objetiva, porque a Nega já havia indicado o continente. Uma fuga sem plano algum, exceto o de retorno nos próximos dias. Era pra ser assim: uma faria a mala da outra e ninguém cuidaria de reservas antecipadas. O voo seria definido conforme disponibilidade e, em trânsito, achariam o melhor hotel.
O combinado era deixar a viagem rolar com naturalidade e a favor dos ventos que estivessem soprando, no entanto, navegar à deriva era outro projeto. A piração das duas com o acaso tinha sim a ver com o risco, mas também com o desejo de manter o foco nas sutilezas para intuir o momento de interferência no curso das coisas.
E a caminho do aeroporto para embarcar rumo a Macho Piccho desviaram a rota e entraram num motel.
A amarelinha está na mala, Nina? Perguntou a Nega.
Sim. Não entendo porque você gostou dessa calcinha...
Nem eu. Às vezes não me entendo. Mas é bom, porque assim surgem os mistérios.
Sim. Não entendo porque você gostou dessa calcinha...
Nem eu. Às vezes não me entendo. Mas é bom, porque assim surgem os mistérios.
Segue a íntegra da entrevista realizada com Nega Lilu, pela jornalista Flávia Guerra, para o caderno Essência do jornal O Hoje.
O Hoje: Como surgiu a ideia de criar o blog e por que aconteceu?
Nega Lilu: O blog é uma ação do projeto Esfinge. Tudo surgiu quando escrevi o conto Sem Palavras, entre outubro de 2008 e abril de 2009. Sem Palavras é um conto inquieto, finalizado com o desejo de que a história de Nega e Lilu jamais sofresse desatualização, que permanecesse viva, evolutiva e significante do nosso tempo. Para tanto, criei o Projeto Esfinge, composto por ações realizadas em colaboração, para comentar, transformar e difundir a obra, estimulando a confluência entre linguagens artísticas.
Tendo o conto Sem Palavras como ponto de partida criativo para essas diversas manifestações artísticas, o Projeto Esfinge se consuma à medida que o conjunto da obra provoca reflexões acerca da plenitude do amor e da essência da vida. As ações motivadas pelo conto mantêm zonas de contato com sua matriz, onde há troca de conteúdos, metamorfose e concepção de um novíssimo produto artístico.
Nas artes visuais, em colaboração com o artista Mateus Dutra, temos a ação Mensagem na Garrafa, que se iniciou com intervenções urbanas em Perpignan (França), Linz (Áustria) e Frankfurt (Alemanha), fazendo uma publicação inaugural de fragmentos do conto. Nesta linguagem artística, também existem ações de body art e artemídia. Iniciaremos montagem de espetáculo de dança em junho, envolvendo profissionais renomados na criação de um duo de estilo contemporâneo. Na literatura, além do blog existe um romance de ficção a ser lançado em 2012/2013. O Projeto Esfinge também mantém interface com a fotografia, a música, o audiovisual, o design, até o momento.
O Hoje: Quando o blog foi colocado no ar e como era no início?
Nega Lilu: O primeiro post do blog data de 3 de janeiro de 2011, com o texto “A explosão da obra”. O último está previsto para 6 de novembro de 2012, com o anúncio de publicação do livro Nega Lilu. O blog surgiu com uma construção muito processual, buscando rumos diante das infinitas e inimagináveis possibilidades que a ficção proporciona. No início, havia um desejo de esclarecer acerca do projeto para que o leitor entendesse a trama que envolve Nega e Lilu num contexto ampliado, para além da produção literária. Havia também uma necessidade de justificativa de sua existência, algo que fui superando com o exercício diário da escrita. Como em todo processo autoral, no começo tinha também a busca estilística, dúvidas sobre a qualidade literária, interrupções no processo criativo, crises próprias da obra sem apreciação e sem feedback, afinal, o blog existiu por um tempo em segredo, sem divulgação, servindo mais como laboratório experimental.
O Hoje: A internet foi o jeito "mais fácil" de expor suas ideias e apresentá-las aos leitores?
Nega Lilu: Busco os leitores por meio de outros suportes também. A Arte (por meio da dança, do audiovisual, das artes visuais) é outro meio de exposição de minhas ideias. A internet hospeda o blog, vai fazer publicação fragmentada do livro Nega Lilu e possibilita o registro dinâmico das ações do projeto Esfinge a sua difusão potencializada. A internet também favorece projetos que fazem opção pelo anonimato. No meu caso, o pseudônimo vem sendo utilizado porque ainda não considero este o momento mais estratégico para a revelação do nome da autora. Sem falar que o mistério em torno da identidade de Nega Lilu também cria curiosidade acerca do blog, mesmo que todo o conteúdo ali publicado seja de ficção.
O Hoje: Qual tem sido o retorno do blog? Você tem controle de quantos acessos tem por dia?
Nega Lilu: O blog Nega Lilu não colocou em prática a estratégia de comunicação de massa já planejada para os próximos meses, faltam alguns detalhes para que o outing ocorra no momento mais apropriado e associado a ações de marketing que fortaleçam Nega Lilu enquanto marca. De qualquer forma, me sinto bem satisfeita com os acessos que o blog tem: quase de 2 mil por mês, desde março. Temos leitores em todo o mundo porque a ação Mensagem na Garrafa (intervenções urbanas), em colaboração com o artista plástico Mateus Dutra, fez uma publicação inaugural do conto na Europa. No dia 4 de abril, por exemplo, tivemos 52 acessos da Alemanha. Além dos leitores que estão no Brasil, o blog tem acesso constante na França, Reino Unido, Holanda, Estados Unidos, Argentina. A ferramenta estatística disponibilizada pelo Google, que gerencia gratuitamente o meu blog, também já registrou acessos de Cingapura, Rússia, China, Marrocos, Itália, entre outros países. Neste momento, o que importa para mim é o leitor qualificado, mas sei que Nega e Lilu têm carisma o bastante para tocar um grande número de pessoas, homens e mulheres, com perfis diversos.
O Hoje: Que tipo de público pretende atingir? O público "mais velho" acessa esse tipo de literatura?
Nega Lilu: O público jovem tem curiosidade sobre Nega e Lilu, mas é também a grande maioria que acessa a Internet. Por isso eu não diria que meu público potencial é o jovem. O conteúdo que escrevo é destinado a todos. Isso porque o tema do blog ‒ que é a plenitude do amor e a essência da vida ‒ é recorrente nos corações e mentes em todas as idades e, portanto, interessa ao ser humano em geral. Um romance como o de Nega e Lilu já ocorreu (e ocorre todos os dias) entre homens e mulheres, entre homens, e entre mulheres na vida real. Resolvi então fazer esse registro, porque tudo que faz crescer a humanidade deve ser compartilhado. Nega e Lilu são de carne e osso na ficção.
O Hoje: Como é sua relação com as letras de um modo geral, contos, poesias? Por que a escolha pelos textos, digamos, picantes?
Nega Lilu: Minha relação com a literatura percorre toda a minha trajetória de vida. Li muitíssimo na adolescência, tenho forte influência de Clarice Lispector. Durante o tempo em que me levei a sério demais como autora não consegui avançar com a qualidade que desejava. Mais recentemente dediquei atenção às ficcionistas contemporâneas como Cintia Moscovich, Patrícia Melo, Adriana Lisboa. Minha melhor performance veio à tona quando fiz da literatura válvula de escape para conteúdos criativos represados. Depois de uma separação conjugal, eu buscava uma forma de desaguar e reencontrei a literatura, só que desta vez de maneira despretensiosa, leve, divertida.
A escolha pelo texto limítrofe entre o erotismo e o pornográfico chic, se é que podemos dizer assim, tem a ver com o desejo de produzir algo que chamasse a atenção das pessoas, não somente pela curiosidade que o sexo provoca naturalmente, mas pelo fato de que, quando nos deparamos com algo essencial e nos reconhecemos, aquilo pode nos fazer refletir e, consequentemente, pode nos transformar. Não vou voltar pro lugar de onde vim do mesmo jeito, quero viver muito e seguir meu caminho com a certeza de que avancei, e isso é o que desejo para todo mundo. Foi essa piração que me conduziu, sem dúvidas, à concepção de Nega e Lilu, como protagonistas. A sexualidade é vida, é saúde e tornou-se tabu porque um dia, há muito tempo, decidiram isso por mim, por você, por todos nós.
Nega e Lilu não chegam a ser instrumento de militância nenhuma, no entanto, entre outras coisas, elas foram criadas para estimular o autoconhecimento, o respeito a todo tipo de diversidade, à tolerância, podendo somar esforços na construção de uma cultura de paz, lá na ponta. Só assim viveremos dias melhores.
O Hoje: O fato de ter "mais liberdade" na internet, e poder falar o que bem entender, foi decisivo para sua entrada nesse mundo digital?
Nega Lilu: Talvez. As possibilidades de difusão sempre foram mais sedutoras pra mim. O que eu realmente queria era encontrar uma estratégia de auto motivação para exercitar a escrita diária como uma coisa boa para a minha vida e para a vida das pessoas que tivessem acesso à minha obra.
O Hoje: O que você costuma acompanhar na internet? Outros blogs serviram de exemplo para você?
Nega Lilu: Trabalho muito. Sempre online. Acompanho as notícias no mundo, leio sempre artigos sobre literatura, sociologia e arte contemporânea. Não tenho nenhum blog como referência. Pra mim, essa é uma forma de buscar autenticidade.
O Hoje: O que diz o blog que serviu de inspiração para todo trabalho?
Nega Lilu: Eu diria que, para escrever, me inspiro nos mistérios, na convivência com as pessoas, no cara a cara, no olho no olho. E também nas minhas sessões de psicoterapia (risos). A Gestalt mudou o meu jeito de ver o mundo e de me relacionar com o outro e comigo mesma.
O Hoje: Existe diferença na linguagem usada na internet? Há alguma dificuldade nesse sentido?
Nega Lilu: A linguagem na internet pressupõe-se mais dinâmica. Mas não me prendo a isso. Já tive uma leitora assídua comentando que meus posts andaram longos durante um período. Ouvi a crítica com carinho, mas não me preocupei em mudar minha forma de expressão naquele momento, porque um texto para o blog nunca chega a ser do tamanho de um ensaio ou de um romance (risos). O que são 40 linhas? No entanto, ultimamente, tenho sentido a necessidade de fragmentar mais e mais minhas publicações, até mesmo como recurso estilístico para a narrativa. E me senti contemplando a sugestão da leitora que prefere textos curtos. Gosto muito de economizar na pontuação e isso me sugere períodos mais sucintos quando não estou a fim do exercício literário que me aproximaria do estilo de Gertrude Stein, por exemplo. Escrever um blog é uma coisa linda, pois o leitor pode acompanhar as fases criativas sem precisar esperar que o livro chegue às livrarias.
O Hoje: O blog é uma literatura que muda constantemente. Como você lida com essa atualização? Quantas pessoas participam?
Nega Lilu: O tempo de publicação é parte de minhas escolhas narrativas. O mistério sempre envolve tudo. O leitor pode pensar: se a Nega tem produção vigorosa é porque a história está fluindo muito, é porque a autora está curtindo. Se não há textos novos por três dias ou até uma semana, o hiato pode significar o silêncio da personagem ou travação da autora. É muito divertido!
As pessoas que participam do blog são todas aquelas que leem meus textos, sem dúvida. Considero os tímidos comentários como participações mais ousadas. Mas o conteúdo oficial é produzido somente por mim, Nega Lilu.
O Hoje: O que representa a internet em sua vida?
Nega Lilu: A internet na minha vida é instrumento de libertação, democratização, inclusão. Possibilidade de nos ilimitarmos.
Mais solta e divertida, Nina ia ficando irresistível. Gesticulava contando alguma história e o balanço de seu corpo merecia a atenção de homens e mulheres, pois tamanha era a liberdade.
A Nega não tirava os olhos dela, dos olhos dela. Sabia tudo o que poderia saber sobre a cadência daqueles ombros desnudos, o universo de pintas tonadas e semitonadas que perpetuavam os ares de moleca, o contorno do nariz Encerrabodes de Oliveira. Aquilo que não era aparente também estava ao seu alcance, como se naturalmente enxergasse Nina do avesso.
A Nega não tirava os olhos dela, dos olhos dela. Sabia tudo o que poderia saber sobre a cadência daqueles ombros desnudos, o universo de pintas tonadas e semitonadas que perpetuavam os ares de moleca, o contorno do nariz Encerrabodes de Oliveira. Aquilo que não era aparente também estava ao seu alcance, como se naturalmente enxergasse Nina do avesso.
A energia pulsante da menina contagiava a Nega velha que, depois de tanto tempo, voltou a gargalhar até a barriga doer. Tão bom. E vez ou outra sentia o sangue aquecer sua face no contato inusitado com a novidade. Dividindo com Nina duas camas de solteiro emendadas, não calava obscenidades e aprendia sobre o silêncio como conquista de intimidade.
Era muito sexo, mas não era só isso. Horas dilatadas dedicadas ao encontro. A Nega gostava assim. Havia sido conquistada e retribuía com longuíssimas sessões de carinho, cercadas dos cuidados bem vindos nos rituais de iniciação. Confiante no conhecimento intuitivo que tinha de Nina no particular, experimentava todas as delícias, encorajada pela sedutora imaturidade e valentia da amante. Uma coisa muito linda de se viver.
Ao longo da semana, alguns leitores do blog comentaram que, aparentemente, estes são rumos sucintos do fim.
Pode ser. Isso porque tenho vasta experiência com coisas que terminam no meio do trajeto, não porque se encerram incompletas, mas porque o meu fim tem vocação para recomeço; e o movimento de retomada quase sempre é de construção e raramente, de reconstrução. Seus lábios todos serão meus daqui a pouco e os meus, serão seus. Se quiseres. Profetizou a Nega.
Era a promessa para duas noites perfeitas com Nina, nua colada ao seu corpo.
E em meio à ruidosa aderência, do âmago Lilu quebrou a greve de silêncio para pedir: Devolva-me.
Como se vestisse uma roupa desconfortável, pela sensação de falta de ar e espaço exíguo, na investigação mais atenta dela mesma a Nega suspeitou que se ocupava de um terceiro ser de presença espectral: Lilu havia levado ali pra dentro alguém que era sua constante passageira.
O acesso aos sentimentos de Lilu não fez bem à Nega, fez desmoronar castelos de sonhos. A experiência antropofágica não tinha o intuito de ser invasiva, nada a ver com vasculhar impunemente uma caixa de emails alheio ou sorrateiramente roubar um diário de cabeceira para ler no banheiro e devolver em seguida. O que a Nega queria era procurar razões dentro de si para libertar Lilu daquele amor sem apreciação que ela ainda cultivava. E pagou caro pela brincadeira de escafandrista, porque reconheceu que a ficção era também a matéria-prima daquele contato livre, misterioso e aberto, mas limitado em seu espaço e tempo. Como um segundo cristalizado.*
* fragmento do conto Sem Palavras.
* fragmento do conto Sem Palavras.
Lilu nunca mentiu pra Nega. Para isso, se enganava.
Emular Lilu enquanto se dedicava a Nina não era o que a Nega classificava como terrível. O que doeu foi o inevitável redimensionamento do romance vivido a partir do momento em que se enxerga pelo prisma do outro, que se sente pelo coração do outro.
E a Nega teve uma visão redutiva de tudo, sem revolta, compreensiva de Lilu em seu projeto de saída enquanto estudava a entrada. Havia de se considerar o sexo inesquecível, o envolvimento involuntário, a intensidade plastificada com prazo de validade, uma dedicação inquestionável, durante escrotas férias conjugais. Assim, num misto de generosidade e desilusão, reconheceu os esforços da flor de cajueiro em conduzir a desconexão com carinho, no entanto, tudo aquilo seria insustentável se não tivesse sido realmente amada.
Nesse dia, sentiu-se livre para chamar Nina de meu bem. No trato da nova paixão, não deveria haver conflitos entre o autêntico e a cópia. Os valores já eram outros.
O silêncio da Nega não significava ausência de palavras, nunca significou. Naqueles dias em que compartilhava grandes mistérios simplesmente calou-se. Porque decifrar Lilu era como se afastar da beleza, privar-se das cores, se abandonar, descobrir algo terrível.
Ser Nega e ser Lilu colocava em questão o que a paixão considerou inquestionável no momento em que elas estiveram próximas demais, mas não uma dentro da outra.
Incerteza sobre território e limite deve ser natural para aqueles que ocupam um só corpo, mas a Nega contaminada por Lilu observou-se emulando sua amada na relação com Nina, sua nova amada.