O texto literário foi ganhando mais fluência fevereiro de 2011 adentro, com a publicação das primeiras hipóteses e, depois, confirmação de hipóteses sobre Lilu e sobre a Nega também. Escrevi o calvário de Laura Passing expiando a dor, sem a colaboração de Valentina Prado. Apostei naquele exercício imaginativo do futuro, definindo o porvir como se eu cavalgasse vetores e fosse gestora das forças do universo.
Dessa série de hipóteses, um de meus textos favoritos é Confirmação das hipóteses 4 e 8 sobre Lilu.
Entre as séries publicadas no blog, destaque também para o episódio em que a Nega engole Lilu e para o melancólico cárcere do cajueiro colossal.
Dessa série de hipóteses, um de meus textos favoritos é Confirmação das hipóteses 4 e 8 sobre Lilu.
Entre as séries publicadas no blog, destaque também para o episódio em que a Nega engole Lilu e para o melancólico cárcere do cajueiro colossal.
A despeito dos avanços no ritmo de produção e na qualidade dos textos, o blog continuava com baixíssima audiência. A identidade preservada da autora e a pequena exposição daquele conteúdo, de alguma forma, me garantia liberdade para uma escrita desprendida, sem pedúnculos.
Tudo soava como se eu estivesse pensando em voz alta ou tateando nua e desenvolta em frente ao leitor, atenta aos rumos indicados por sussurros.
Para além de cumprir o papel de laboratório literário e de primeiro suporte para publicação do romance Sem Palavras, a proposta editoral que se firmou fez do blog Nega Lilu um espaço independente para aporte de conteúdo de ficção relacionado ao universo de Nega & Lilu, anterior e posterior ao período que origina a história contada no livro. Como a solitária narrativa de Laura Passing (Nega) em busca de bálsamo para tristeza, depois que Brisa Marin (Lilu) desconectou-se daquela relação. Registra ainda momentos marcantes (que se tornaram subliminares por terem ficado de fora do livro) da convivência entre as personagens. O Nega Lilu também foi criado para cumprir a função de registrar e repercutir o desenvolvimento processual dos trabalhos do Coletivo Esfinge.
Decretei fim do período de incubação do blog em 19 de fevereiro de 2011 e o jornalista Rodrigo Oliveira, um de meus maiores incentivadores, comemorou. Razoavelmente satisfeita com a qualidade do conteúdo ali disponível, para além do esforço criativo permanente, eu precisava buscar formas de divulgação. E confesso que só pensava nisso. Os amigos me acharam insuportável.
Nos últimos quatro post intitulados Movimento de translação iniciado, compartilho com o leitor o conteúdo do primeiro capítulo do livro Operação Kamikaze, que tem lançamento marcado para 6 de novembro, em Goiânia.
Era domingo, 16 de janeiro, saí perdida e
entristecida pelo Centro de Goiânia, olhando para tudo. Neste dia, encontrei as
primeiras imagens trazidas para o blog Nega Lilu.
Intervenção de Luccas Encio (2011), na janela lateral do Grande Hotel, em Goiânia, foi a primeira imagem veiculada no blog Nega Lilu. Foto: Larissa Mundim |
Pixação de autoria não identificada, na fachada do Grande Hotel, na Avenida Goiás. Foto: Larissa Mundim |
A confusão sobre a autoria do conteúdo
permanecia. Como o blog continuava não divulgado e, portanto, acessado somente
pelos amigos, divaguei como se a Nega fosse eu e Lilu, Lilu. Aos poucos, à
medida que as ideias se assentavam na minha cabeça, fui me tornando a narradora
ausente e a Nega ocupou o lugar de terceira pessoa.
Esse trânsito fica evidente em Desafio à inevitabilidade, publicado em 23 de janeiro de
2011.
Ainda sem conhecer o conceito de autoficção,
difundido no Brasil por Luciana Hidalgo, no post Saudade, realizado em 4 de fevereiro de 2011, escrevo:
Cada dia sou
mais a Nega.
E você é
mais Lilu.
Somos obra
de ficção.
Deriva daqui a origem do texto: Sou de
ficção, que virou camiseta, numa parceria com o Coletivo ConVerso, que tinha
Thais Almeida na composição.
O ator Sandro Freitas, o publicitário e poeta
Marcelo Araújo e o então estudante de jornalismo, Yago Salles, tiveram uma
dessas. Também já vi o poeta Walacy Neto vestindo meu texto no Evoé Café com
Livros.
Encorajado pela ausência de crítica e
autocrítica, o blog Nega Lilu foi ganhando corpo.
Textos
curtos, tímidos, íntimos, palavras um tanto emboladas buscando caminhos da
simplicidade – primórdios do laboratório literário que, em projeção futura seria chamado de
Projeto Ordinário, me levou à exploração da poética cotidiana.
Até reconheço como avançadas algumas
ideias-força surgidas nessa época de divagações e que foram, inclusive,
aproveitadas na construção das histórias de Agora
eu te amo, meu segundo romance de ficção, também publicado pela Nega Lilu
Editora.
A Nega vai à luta é um dos primeiros textos mais soltos, apontando
rumos para que o diálogo com o leitor fosse se estabelecendo, em seguida.
Insegura de possuir virtudes, naquele momento egoísta me ajudaria saber o que os sete leitores oficiais estavam compreendendo, mas não perguntei.
Insegura de possuir virtudes, naquele momento egoísta me ajudaria saber o que os sete leitores oficiais estavam compreendendo, mas não perguntei.
A primeira pista chegou em 7 de fevereiro de 2011. Foi um breve e contundente comentário sobre o post Saudade, publicado pelo leitor do blog que se identificou como paulo: “Pra mim Nega e Lilu são reais!!!”. A glacial sensação de estar sendo lida. Depois descobri que era o publicitário e designer gráfico Paulo Batista, provocado por mim a se manifestar – o que é um detalhe, porque não encomendei o conteúdo da mensagem.
Uma ideia era preparar o leitor, instigá-lo a
conhecer as meninas, inicialmente oferecendo a ele literatura que contemplasse
o momento posterior ao final de Sem
Palavras – uma continuação que se antecipa ao conteúdo principal, uma narrativa
contada fora da ordem cronológica e construída em tempo real, fiel às origens
metodológicas da escrita da história de Nega & Lilu.
Até fevereiro de
2011, alimentei o blog com pequena quantidade de conteúdo não publicizado,
convidando sete bons amigos à leitura e recomendei: fiquem à vontade para me
destruir. Mas nenhum deles costuma seguir meus conselhos e fiquei sem feedbacks críticos. Havia, no entanto, o
silêncio como incentivo. Por isso, e por tantas outras coisas, sou grata a Ana
Maria de Moraes, Daniel Christino, Giovanna Schittini, Patrícia Gil (Pagu), Rodrigo
Oliveira, Rute Guedes e Salvio Juliano.
A releitura do
primeiro post do blog, chamado A explosão da obra, não deixa dúvida de
que, no princípio, havia a busca de rumos, mas uma impressionante visão de metas
já se fazia presente.
Interessante notar que, naquele momento, havia
indefinição acerca da autoria e transbordamento do real para o imaginário. Como
o post inaugural é dirigido à Lilu,
quem escreve é a Nega. No entanto, a ação que ali se anuncia não tem uma
personagem de ficção como protagonista. A identidade desse narrador não se
define imediatamente. Para que isso acontecesse, foi necessário experimentação e
autoconfiança também.
Como escrever sempre
foi correr risco de não se ter nada a dizer, a primeira crise criativa paralisa
a produção do blog em 11 de janeiro, ou seja, na segunda semana de atividades.
Na ocasião, eu sentia insuficiência de provocação para a escrita.
No dia seguinte, fica
claro pra mim que o projeto não tem a Literatura como única base de sustentação
e começa o esboço mental do Projeto Esfinge. Este momento crucial para a obra
está registrado no texto Mensagem na Garrafa, que assume fragilidade ao mesmo tempo em que me fortalece e me
impele a continuar buscando novas trilhas.
Visão inaugural do campo de atuação do Coletivo Esfinge (ainda Projeto Esfinge).
A primeira versão do livro Sem Palavras, escrito por mim [Larissa Mundim] e por Valentina Prado, publicado
pela Nega Lilu Editora, já tinha sido finalizada em novembro de 2010 e eu
não sabia o que fazer. Diante do ineditismo da literatura naquela forma, no
mercado editorial brasileiro, era preciso testá-lo, era necessário identificar público-alvo
e sondar a empatia do leitor com sua arquitetura e estética ainda pouco usuais.
Tudo tão embaçado quanto desafiador no marco zero.
Na madrugada de 3 de janeiro de 2011, ainda quarando
a sensação de ter perdido alguém ou alguma coisa, depois de vários dias mergulhada
no universo de Guimarães Rosa, decidi então abrir um blog para dar vazão à produção,
publicando os textos do livro. (E o blog é este aqui, que busca frescor para retomar atividades criativas e ir de encontro ao novo. Um jeito meu de fazer isso é ir de volta ao ponto de partida, encontrar a origem. Vem comigo, vamos juntos até o princípio...)
Sou péssima leitora de manuais e fico confusa
até mesmo com os tutoriais mais simples. No entanto, em pouco mais de uma hora,
o site Nega Lilu ficou pronto, hospedado na plataforma gratuita Blogspot.
Para o plano de fundo, entre os templates disponíveis, escolhi tomates
vermelhinhos tipo Holandês, em tributo à Lilu.
O texto inaugural do perfil foi:
Sou sua. Sou só. Sua. E no lugar destinado à foto do autor ou autora, optei
pelo grafite feito pela artista colombiana Hera, porque achei que tinha
conexões com a obra, naquele momento. Aliás, sempre pensei isso, desde que dei
de cara com aquela garota ruiva chorosa, em Bogotá. Era como um espelho.
O post O muro
ainda fala por nós esclarece ao leitor o porquê do nome de batismo do blog:
Com o suporte para o laboratório literário
preparado para o início do trabalho, me deparei com a primeira grande decisão a
ser tomada. Como todo o conteúdo do livro é datado – por ser composto por chats
e e-mails trocados entre Laura Passing (Nega) e Brisa Marin (Lilu) –, achei
coerente que sua publicação, no blog, fosse orientada pelo dia e pela hora em
que a correspondência ocorria entre as personagens. De outra forma, durante o
Carnaval (tempo real), o leitor estaria acessando posts relacionados ao final do ano, no tempo diegético (tempo da
obra). Diferentes atmosferas, nada a ver.
Resolvi, por isso, propor o emparelhamento de passado e presente, no espaço virtual, com deslocamento de dois anos.
Resolvi, por isso, propor o emparelhamento de passado e presente, no espaço virtual, com deslocamento de dois anos.
E, sendo assim, a lacuna entre 3 de janeiro e
6 de novembro de 2011, quando os primeiros conteúdos começariam a ser
publicados, precisaria ser preenchida de alguma forma. Diante do problema
criado a partir de minha decisão e a par de que precisaria administrar
ansiedades por 11 meses, naquela madrugada confiei na presença de impertinente
noção de lucidez, uma sensação de iluminação descrita por Rollo May, no livro A Coragem de Criar, que acessei antes da
vida adulta e nunca esqueci.
Hoje, distanciada daquele episódio, imagino que tal escolha tenha passado também pelo desejo de prolongar ao máximo o gozo, ignorando o preço que se paga.
Hoje, distanciada daquele episódio, imagino que tal escolha tenha passado também pelo desejo de prolongar ao máximo o gozo, ignorando o preço que se paga.
Pedi ao gênio da lâmpada que as pessoas almejassem
com veemência a chegada do 6 de novembro de 2011 e que roessem as unhas na
véspera. Para tanto, eu precisaria trabalhar muito.