Entrevista com Nega Lilu

domingo, maio 15, 2011

Segue a íntegra da entrevista realizada com Nega Lilu, pela jornalista Flávia Guerra, para o caderno Essência do jornal O Hoje.

O Hoje: Como surgiu a ideia de criar o blog e por que aconteceu?
Nega Lilu: O blog é uma ação do projeto Esfinge. Tudo surgiu quando escrevi o conto Sem Palavras, entre outubro de 2008 e abril de 2009. Sem Palavras é um conto inquieto, finalizado com o desejo de que a história de Nega e Lilu jamais sofresse desatualização, que permanecesse viva, evolutiva e significante do nosso tempo. Para tanto, criei o Projeto Esfinge, composto por ações realizadas em colaboração, para comentar, transformar e difundir a obra, estimulando a confluência entre linguagens artísticas.
Tendo o conto Sem Palavras como ponto de partida criativo para essas diversas manifestações artísticas, o Projeto Esfinge se consuma à medida que o conjunto da obra provoca reflexões acerca da plenitude do amor e da essência da vida. As ações motivadas pelo conto mantêm zonas de contato com sua matriz, onde há troca de conteúdos, metamorfose e concepção de um novíssimo produto artístico.
Nas artes visuais, em colaboração com o artista Mateus Dutra, temos a ação Mensagem na Garrafa, que se iniciou com intervenções urbanas em Perpignan (França), Linz (Áustria) e Frankfurt (Alemanha), fazendo uma publicação inaugural de fragmentos do conto. Nesta linguagem artística, também existem ações de body art e artemídia. Iniciaremos montagem de espetáculo de dança em junho, envolvendo profissionais renomados na criação de um duo de estilo contemporâneo. Na literatura, além do blog existe um romance de ficção a ser lançado em 2012/2013. O Projeto Esfinge também mantém interface com a fotografia, a música, o audiovisual, o design, até o momento.


O Hoje: Quando o blog foi colocado no ar e como era no início?
Nega Lilu: O primeiro post do blog data de 3 de janeiro de 2011, com o texto “A explosão da obra”. O último está previsto para 6 de novembro de 2012, com o anúncio de publicação do livro Nega Lilu. O blog surgiu com uma construção muito processual, buscando rumos diante das infinitas e inimagináveis possibilidades que a ficção proporciona. No início, havia um desejo de esclarecer acerca do projeto para que o leitor entendesse a trama que envolve Nega e Lilu num contexto ampliado, para além da produção literária. Havia também uma necessidade de justificativa de sua existência, algo que fui superando com o exercício diário da escrita. Como em todo processo autoral, no começo tinha também a busca estilística, dúvidas sobre a qualidade literária, interrupções no processo criativo, crises próprias da obra sem apreciação e sem feedback, afinal, o blog existiu por um tempo em segredo, sem divulgação, servindo mais como laboratório experimental. 


O Hoje: A internet foi o jeito "mais fácil" de expor suas ideias e apresentá-las aos leitores?
Nega Lilu: Busco os leitores por meio de outros suportes também. A Arte (por meio da dança, do audiovisual, das artes visuais) é outro meio de exposição de minhas ideias. A internet hospeda o blog, vai fazer publicação fragmentada do livro Nega Lilu e possibilita o registro dinâmico das ações do projeto Esfinge a sua difusão potencializada. A internet também favorece projetos que fazem opção pelo anonimato. No meu caso, o pseudônimo vem sendo utilizado porque ainda não considero este o momento mais estratégico para a revelação do nome da autora. Sem falar que o mistério em torno da identidade de Nega Lilu também cria curiosidade acerca do blog, mesmo que todo o conteúdo ali publicado seja de ficção.


O Hoje: Qual tem sido o retorno do blog? Você tem controle de quantos acessos tem por dia?
Nega Lilu: O blog Nega Lilu não colocou em prática a estratégia de comunicação de massa já planejada para os próximos meses, faltam alguns detalhes para que o outing ocorra no momento mais apropriado e associado a ações de marketing que fortaleçam Nega Lilu enquanto marca. De qualquer forma, me sinto bem satisfeita com os acessos que o blog tem: quase de 2 mil por mês, desde março. Temos leitores em todo o mundo porque a ação Mensagem na Garrafa (intervenções urbanas), em colaboração com o artista plástico Mateus Dutra, fez uma publicação inaugural do conto na Europa. No dia 4 de abril, por exemplo, tivemos 52 acessos da Alemanha. Além dos leitores que estão no Brasil, o blog tem acesso constante na França, Reino Unido, Holanda, Estados Unidos, Argentina. A ferramenta estatística disponibilizada pelo Google, que gerencia gratuitamente o meu blog, também já registrou acessos de Cingapura, Rússia, China, Marrocos, Itália, entre outros países. Neste momento, o que importa para mim é o leitor qualificado, mas sei que Nega e Lilu têm carisma o bastante para tocar um grande número de pessoas, homens e mulheres, com perfis diversos.


O Hoje: Que tipo de público pretende atingir? O público "mais velho" acessa esse tipo de literatura?
Nega Lilu: O público jovem tem curiosidade sobre Nega e Lilu, mas é também a grande maioria que acessa a Internet. Por isso eu não diria que meu público potencial é o jovem. O conteúdo que escrevo é destinado a todos. Isso porque o tema do blog ‒ que é a plenitude do amor e a essência da vida ‒ é recorrente nos corações e mentes em todas as idades e, portanto, interessa ao ser humano em geral. Um romance como o de Nega e Lilu já ocorreu (e ocorre todos os dias) entre homens e mulheres, entre homens, e entre mulheres na vida real. Resolvi então fazer esse registro, porque tudo que faz crescer a humanidade deve ser compartilhado. Nega e Lilu são de carne e osso na ficção.


O Hoje: Como é sua relação com as letras de um modo geral, contos, poesias? Por que a escolha pelos textos, digamos, picantes?
Nega Lilu: Minha relação com a literatura percorre toda a minha trajetória de vida. Li muitíssimo na adolescência, tenho forte influência de Clarice Lispector. Durante o tempo em que me levei a sério demais como autora não consegui avançar com a qualidade que desejava. Mais recentemente dediquei atenção às ficcionistas contemporâneas como Cintia Moscovich, Patrícia Melo, Adriana Lisboa. Minha melhor performance veio à tona quando fiz da literatura válvula de escape para conteúdos criativos represados. Depois de uma separação conjugal, eu buscava uma forma de desaguar e reencontrei a literatura, só que desta vez de maneira despretensiosa, leve, divertida.
A escolha pelo texto limítrofe entre o erotismo e o pornográfico chic, se é que podemos dizer assim, tem a ver com o desejo de produzir algo que chamasse a atenção das pessoas, não somente pela curiosidade que o sexo provoca naturalmente, mas pelo fato de que, quando nos deparamos com algo essencial e nos reconhecemos, aquilo pode nos fazer refletir e, consequentemente, pode nos transformar. Não vou voltar pro lugar de onde vim do mesmo jeito, quero viver muito e seguir meu caminho com a certeza de que avancei, e isso é o que desejo para todo mundo. Foi essa piração que me conduziu, sem dúvidas, à concepção de Nega e Lilu, como protagonistas. A sexualidade é vida, é saúde e tornou-se tabu porque um dia, há muito tempo, decidiram isso por mim, por você, por todos nós.
Nega e Lilu não chegam a ser instrumento de militância nenhuma, no entanto, entre outras coisas, elas foram criadas para estimular o autoconhecimento, o respeito a todo tipo de diversidade, à tolerância, podendo somar esforços na construção de uma cultura de paz, lá na ponta. Só assim viveremos dias melhores. 


O Hoje: O fato de ter "mais liberdade" na internet, e poder falar o que bem entender, foi decisivo para sua entrada nesse mundo digital?
Nega Lilu: Talvez. As possibilidades de difusão sempre foram mais sedutoras pra mim. O que eu realmente queria era encontrar uma estratégia de auto motivação para exercitar a escrita diária como uma coisa boa para a minha vida e para a vida das pessoas que tivessem acesso à minha obra.


O Hoje: O que você costuma acompanhar na internet? Outros blogs serviram de exemplo para você?
Nega Lilu: Trabalho muito. Sempre online. Acompanho as notícias no mundo, leio sempre artigos sobre literatura, sociologia e arte contemporânea. Não tenho nenhum blog como referência. Pra mim, essa é uma forma de buscar autenticidade.


O Hoje: O que diz o blog que serviu de inspiração para todo trabalho?
Nega Lilu: Eu diria que, para escrever, me inspiro nos mistérios, na convivência com as pessoas, no cara a cara, no olho no olho. E também nas minhas sessões de psicoterapia (risos). A Gestalt mudou o meu jeito de ver o mundo e de me relacionar com o outro e comigo mesma.


O Hoje: Existe diferença na linguagem usada na internet? Há alguma dificuldade nesse sentido?
Nega Lilu: A linguagem na internet pressupõe-se mais dinâmica. Mas não me prendo a isso. Já tive uma leitora assídua comentando que meus posts andaram longos durante um período. Ouvi a crítica com carinho, mas não me preocupei em mudar minha forma de expressão naquele momento, porque um texto para o blog nunca chega a ser do tamanho de um ensaio ou de um romance (risos). O que são 40 linhas? No entanto, ultimamente, tenho sentido a necessidade de fragmentar mais e mais minhas publicações, até mesmo como recurso estilístico para a narrativa. E me senti contemplando a sugestão da leitora que prefere textos curtos. Gosto muito de economizar na pontuação e isso me sugere períodos mais sucintos quando não estou a fim do exercício literário que me aproximaria do estilo de Gertrude Stein, por exemplo. Escrever um blog é uma coisa linda, pois o leitor pode acompanhar as fases criativas sem precisar esperar que o livro chegue às livrarias.


O Hoje: O blog é uma literatura que muda constantemente. Como você lida com essa atualização? Quantas pessoas participam?
Nega Lilu: O tempo de publicação é parte de minhas escolhas narrativas. O mistério sempre envolve tudo. O leitor pode pensar: se a Nega tem produção vigorosa é porque a história está fluindo muito, é porque a autora está curtindo. Se não há textos novos por três dias ou até uma semana, o hiato pode significar o silêncio da personagem ou travação da autora. É muito divertido!
As pessoas que participam do blog são todas aquelas que leem meus textos, sem dúvida. Considero os tímidos comentários como participações mais ousadas. Mas o conteúdo oficial é produzido somente por mim, Nega Lilu.


O Hoje: O que representa a internet em sua vida?
Nega Lilu: A internet na minha vida é instrumento de libertação, democratização, inclusão. Possibilidade de nos ilimitarmos.

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