Sem Palavras: 23 nov 2009 - 21h58
quarta-feira, novembro 23, 2011
Para fazer diferente
de Laura
Passing <laura.passing@gmail.com>
para Brisa
Marin <eusoubrisa@gmail.com>
data 23
de novembro de 2009 21:58
assunto Para
fazer diferente
enviado por gmail.com
Por não estarem distraídos
Clarice Lispector
Havia a levíssima embriaguez de andarem
juntos, a alegria como quando se sente a garganta um pouco seca e se vê que por
admiração se estava de boca entreaberta: eles respiravam de antemão o ar que
estava à frente, e ter esta sede era a própria água deles. Andavam por ruas e
ruas falando e rindo, falavam e riam para dar matéria peso à levíssima
embriaguez que era a alegria da sede deles. Por causa de carros e pessoas, às
vezes eles se tocavam, e ao toque – a sede é a graça, mas as águas são uma
beleza de escuras – e ao toque brilhava o brilho da água deles, a boca ficando
um pouco mais seca de admiração. Como eles admiravam estarem juntos! Até que
tudo se transformou em não. Tudo se transformou em não quando eles quiseram
essa mesma alegria deles. Então a grande dança dos erros. O cerimonial das
palavras desacertadas. Ele procurava e não via, ela não via que ele não vira,
ela que, estava ali, no entanto. No entanto ele que estava ali. Tudo errou, e
havia a grande poeira das ruas, e quanto mais erravam, mais com aspereza
queriam, sem um sorriso. Tudo só porque tinham prestado atenção, só porque não
estavam bastante distraídos. Só porque, de súbito exigentes e duros, quiseram
ter o que já tinham. Tudo porque quiseram dar um nome; porque quiseram ser,
eles que eram. Foram então aprender que, não se estando distraído, o telefone
não toca, e é preciso sair de casa para que a carta chegue, e quando o telefone
finalmente toca, o deserto da espera já cortou os fios. Tudo, tudo por não
estarem mais distraídos.
Brisa, avançamos na frouxidão das coisas.
Gostaria que soubesse.
E por isso fico mais leve pra te dizer
que, quando lanço mão de um texto como este (que me acompanha desde os 16 anos
com o peso que ele tem), quero dizer que suspeito que algumas coisas foram
preparatórias para o momento em que pudéssemos nos encontrar, eu e você. Mas
fique tranquila. Isso é pura frouxidão.
Beijo.
Laura
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