O plasma
quarta-feira, abril 04, 2012
Evaporou. De outra forma, a Nega não
teria escapado da trama do cajueiro colossal, uma espécie de cárcere dos
sentidos. É que os seres líquidos, acostumados ao transbordamento, não suportam
a permanência em recipientes formatantes, porque para eles, viver é fluir e
confluir. Por isso libertar-se dali era condicional, com perdas e danos.
O que diferenciava a atitude da
Nega de uma represa que rompe barreiras e arrebenta em direção ao mar, era seu
desejo de mudança, na busca pela harmonia. E aquilo ia doer. O deslocamento até
os nossos pontos extremos para conhecimento e reconhecimento de limites é
sempre assim. Nada é tão revelador, agradável e desagradável quanto a visita ao
lugar onde as transformações ocorrem: o templo da precipitação.
Pouco antes do início do processo
de volatilização para a fuga, ela fazia um melancólico exercício de empatia com
a sereia de Hans Christian Andersen, que renunciou à natureza imortal e se submeteu
às humanidades. Tudo para viver um grande amor.
Romântico demais a
irreversibilidade nos contos de fadas. Mas as idas e vindas, encruzilhadas e
passagens do realismo fantástico alimentavam muito mais a paixão da Nega, que
não deixaria de ser sereia perdendo a cauda. Na cara de pau mesmo.
No estado gasoso, a Nega vagou,
divagou, vadiou sem pesar, sem se conter ou se sustentar. Um voo longo sem pouso,
planando à espera, sem matéria, ainda mais livre que os fiapos do Dente de Leão
na corrente de vento. Mas tão desnorteada quanto.
Em breve passagem pela Grã-Bretanha, ouviu de ilustre engenheira ambientalista que havia o plasma e ficou imediatamente encantada, um tanto afetada. Algo típico dos gases. Supôs, mesmo sem saber, que o então desconhecido quarto estado da matéria seria intermediário na condução ao sólido mais elaborado. Tomou providências para seguir o caminho de volta, perseguindo o corpo que ainda estaria por vir.
Veja também:
0 comentários