Don Juan evocado

terça-feira, janeiro 31, 2012


― Quero conhecer seu universo. Na conversa com Laura Passing, o conforto induziu Brisa Marin à declaração casual.

O que a flor de cajueiro estava dizendo merecia algum tipo de investigação, mas a Nega não pediu esclarecimentos, já praticava a precipitação. Cultivou a dúvida, deixou rolar, simplesmente... e se abriu para a observação de detalhes.

Naqueles dias, emudecida e congelada, ouvia a voz de Brisa, aficionada pela escolha vocabular, pela cadência das frases e sutis inflexões tão intuitivas quanto estratégicas para o convencimento de seus interlocutores. Numa segunda fase mais aguda, ensurdecida, reparava na evolução dos gestos de Lilu, os padrões de comportamento dos lábios proferindo sílabas, o tempo de respiração e o deslocamento provocado pelo ar no plano do colo, imaginando cores para o sutiã ali escondido. E isso era apenas o começo.

Achando tudo lindo, Laura Passing se lançava em nova Operação Kamikaze, despreocupada com a exposição insalubre à paixão não declarada. Para escoar o tesão de correnteza, trouxe de volta a escrita para a sua vida, companheira mais visceral do que a leitura poderia ser, naquele momento. Porque a Nega queria sangrar, tirar de dentro aquele sentimento, olhar pra ele com algum distanciamento, se desiludir ou se deixar enfeitiçar.

Esse exercício literário despretensioso e lânguido originou o conto Sem Palavras que, enviado por email, dragou Brisa Marin para os porões de sua consciência, onde ela encerrava coisas lindas capazes de revelar a flor de cajueiro para as massas, passíveis de provocar temida vulnerabilidade e a distração de seus objetivos.

Por fim, ninguém seduziu ninguém. Foi a palavra. E o fragmento de texto que registra, no conto, essa descoberta foi levado a Porto Alegre, onde viveu o poeta gaúcho Mário Quintana,  para mais uma intervenção do artista Mateus Dutra, durante as atividades do Fórum Social Mundial, com a colaboração de Fernanda Keller e Lucas Sharaya.  

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