Parnaso ímpeto da sexualidade │ Leonardo Teixeira (GO)

terça-feira, março 28, 2017


1 – Roger ia nas noites
Passada a euforia excêntrica e displicente da juventude, aquela paixão avassaladora pelas descobertas (e superadas as expectativas no romper primário das carnes), Roger desenvolveu sua pegada bilíngue (conversação avançada em dois idiomas), sendo atacante e marcando gol contra (como dizem seus amigos, pelos jogos da vida).

Na transmutação física e diária do sol, ao mergulhar plúmbeo do vespertino para o breu noturno, as plumas se afloram e os cantos dos assentos se piscam na obscuridade sombria daqueles bairros mais tradicionais, onde as atividades lucrativas são fomentadas principalmente por machos desejosos de esvair um cuspe ou alargar outras veredas, outros orifícios socialmente escondidos atrás de muros com ofendículos. É certo que tal prática tem sido registrada nos compêndios da modernidade – nos anais da contumácia –, maior parte evidenciada durante o dia, entre quatro paredes intimistas, salvo melhor juízo ou câmeras escondidas atrás dos espelhos. Muitos deles são devidamente casados com ou sem votos sacramentados nas religiões abarcadas pelo Estado laico.

Tais costumes eram evidentes mesmo antes nos áureos tempos gregos e romanos. Mesmo em tempo pretérito dos sarcófagos egípcios, onde nem mesmo os eunucos serviçais passavam ileso nos famosos testes de fidelidade. Dos castos tempos de regrada vigilância, nos rincões sertanejos brasileiros, onde uma mão dada era por demais suspeita e digna de casório, outras milhares de cercas eram puladas nos mesmos cafofos margeadas por pés de barbatimão: os cabarés (mesmo sem luzes vermelhas). A palavra dote (montante designado para algema da aliança) recentemente já significava o tamanho da ferramenta em rijo estado, conferida no ápice da libido.

Assim, qualquer um saberia livremente a capacidade e o volume daquela parte de Roger, que não é vista abertamente por ninguém. Para isto, bastava ler um anúncio nos classificados. Mas ele não sabia que aquela balada marcaria para sempre a sua vida.


2 – Kelly Chaves nas adegas
Com formação superior em fisioterapia, a feminista libertária Kelly Chaves descambou para campos mais sensoriais, tendo vislumbrado o lado zen e místico da massoterapia. Virou educadora e terapeuta corporal, com método delerium renascentista de percepção e consciência, além de outros nomes mais robustos e complicados como Tuiná, Lingan, Yoni, Biocarve, Deva Nishok, Double Spot etc. Obteve certificados com outros nomes complexos. Apreciadora de vinhos, frequentadora de cafés e adegas requintadas, onde seres masculinos deslumbrados quebravam pescoços ao menor movimento das nádegas, ela tinha uma áurea vibrante.

Sofria inveja de uma “miguxa” de trabalho que espalhava rumores de Kelly já ter derrubado mais paus do que uma famosa Rita, cujo sobrenome é um carrão antigo, musa de detentos e paredes velhas das oficinas de carro. Mas Kelly não se importava com pinos ou vibrações alheias, pois valorizava mesmo o poder transcendental de uma língua, no traquejo macio e felpudo bem manuseado pela Carla, a escudeira em seu lar. Kelly também não imaginaria as consequências de um daqueles olhares.


3 – Fausto e seu pacto
Metido a conquistador barato, Fausto era frequentador assíduo de uma academia para descolar um abdômen (admirado por um suposto pederasta da Rua 20). Por mais incongruente que pareça, Fausto descambou seu foco numas paradas sinistras e perigosas. Estudou hipnose (inclusive a Ericksoniana), programação neurolinguística, leitura fria, entre inúmeras técnicas para desenvolver uma pegada envolvente mais eficiente. Seu objetivo nítido era copular as concubinas. Usufruir do êxtase visceral dos seus alvos femininos.

Não satisfeito com seu desempenho moderado, tendo tratado as precocidades e a sudorese, Fausto partiu para o lado paganista da magia astral. Assuntos cotidianos eram portais, círculos, evocações, viagem astral, Salomão, até o dia em que fez um pacto com o próprio Mefisto para expandir seu harém. E assim foi feito, tendo logrado vitórias realmente exitosas por pouquíssimo tempo. Inclusive no sentido de misturar-se gratuitamente entre quatro de suas seguidoras.

Era ele quem estava sedento nas formas circulares reboladas durante uma simples e despretensiosa caminhada de Kelly Chaves, na adega. Toda sua pegada, postura, encenação e performance de macho alfa não causou alarde algum. Kelly se mantinha interessada no seu líquido hedonista dos vinhedos Chilenos.

Fausto não admitiu derrota. Mergulhado pela atmosfera sombria com quem tinha se envolvido, passou rapidamente ao ódio. Ao sair daquele local ficou à espreita atrás de uma árvore. Se todos os gatos são pardos nas noites, não se afirmam melhores nuances. A volúpia e a violência, junto aos males intentos são preferidos nesses horários pelos criminosos. As sombras de dentro combinam com as sombras de fora.

Não demorou muito para que Fausto a raptasse dali, tendo a estuprado num lote imundo, onde fez coisas igualmente imundas. Mesmo assim, foi comemorar o sexo num boteco, no mesmo bairro tradicional onde Rogeria estava dando sopa. Após algumas carícias, já entre algumas daquelas quatro paredes, percebeu que Rogeria era Roger e ali mesmo passou a ser assassino.

Descoberta a coisa toda, um estupro e um homicídio numa mesma noite, dois policiais militares alcançaram Fausto, que acabou passando pelo portal que transporta da vida para a morte. Foram só dois tiros, que custaram cinco reais para o Estado.


4 – Jornal do almoço
Jovem de 28 anos mata um transexual após ter violentado uma mulher num lote baldio. Os policiais conseguiram parar o veículo em que estava o assassino chamado Fausto Silvério dos Anjos, que foi morto com dois tiros, pela polícia. A Secretaria de Segurança Pública vai instaurar procedimento administrativo para apurar o caso e, se os policiais forem condenados, podem perder o cargo. A mãe de Fausto lamenta a tragédia e disse que ele sempre foi um jovem bom e estudioso.


5 – Decisão da petição judicial (Ementa)
MORTE PROVOCADA POR POLICIAL MILITAR. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. PENSÃO MENSAL. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA DO ESTADO. REEXAME NECESSÁRIO IMPROVIDO. APELO VOLUNTÁRIO DO ESTADO PREJUDICADO. RECURSO DE APELAÇÃO DA PARTE AUTORA PROVIDO. VÍTIMA ESTARIA VIVA E LIVRE APÓS TRÊS ANOS PELOS BENEFÍCIOS LEGAIS. DECISÃO UNÂNIME.


6 – Ata
Registre-se em cartório a presente ata da manifestação, em detrimento de uma já deteriorada manifestação livre. Na utopia ufanista de uma sociedade justa, sem preconceito de cor, raça, gênero, procedência ou opção sexual. Alhures: colapso. Nada mais havendo a constar, foi lavrada por mim,..., a presente ata, assinada por todos os presentes acima nominados e referenciados.

Foto: Max Pereira



Leonardo Teixeira escreve em jornais há 15 anos. Tem três livros de contos, dois de crônicas, um infantil e um de poesia. Avesso aos clãs das panelas, narizes em riste e badalos de holofotes. Acredita piamente nas mentiras das ficções.

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Max Pereira é Maxwel Pereira Batista. Nasceu em Jucurutu/RN, em 1971. Jornalista de formação, trabalha com artes visuais, publicações autorais e dá aulas de inglês. No momento trabalha com autopublicação e participa de feiras de publicação independente no Brasil, como Feira Pão de Forma, Miolos e Feira Plana. Em 2016, seu zine “Fucked by a stranger in the dark” foi um dos finalistas do Prêmio Dente de Ouro, em Brasília/DF.


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