Ao Som de Gita │ Dairan Lima (GO)
terça-feira, março 14, 2017
Resolvi terminar o namoro porque você, ao ouvir o
ronco do jipe do meu pai, pulou em cima da bicicleta e sumiu na estrada
poeirenta. E eu fiquei na maior frustração.
Depois arrumei outro, o Zé Cristino,
que era lindo de morrer, rico, com aquele cabelão comprido e olhos gateados.
Foi a cavalo até a fazenda do meu pai me pedir em namoro. Eu tinha tudo
para esquecer a desfeita que você me fizera, mas não conseguia... minhas
mãos suavam sempre que eu te via.
Você arrumou a Irene pra namorar, eu
ficava roxa de ciúmes. Nas festas de Santo Antônio, no pátio da igreja matriz,
o que rolava era Gita, que pirava a
cabeça da moçada da época do paz e amor.
Nunca esqueço, você fugia da sua
namorada e eu do meu. Dançávamos colados nas festinhas, ao som do Maluco
Beleza, eu sentindo seu corpo tenro no meu, sensação indescritível.
Um dia, marcamos um cinema, às
escondidas. A gente mal se falava, apenas seu dedinho roçava o meu e era como
se corresse entre nós uma espécie de circuito elétrico. O filme era Sissi, a Imperatriz, que ficou pra
sempre marcado na minha memória. Mas grande foi o susto, ao nos depararmos com
o Zé Cristino na saída, na porta do cinema. Ele já havia descoberto tudo. Fiz
que não o tinha visto, mas ele foi atrás e pegou o meu braço. Eu estava
gelada. Ele disse:
− Você é descarada mesmo, hein?! Me
traindo com um ser tão desprezível e eu perdendo meu tempo, gostando tanto de
você! − baixei os olhos, envergonhada, e quando os levantei foi só para
confirmar minhas suspeitas: Covarde! Você havia evaporado de novo.
Resolvi terminar o namoro que não
havia. Mudei de rota, fiquei sem nenhum dos dois. Mas sempre estávamos a nos
espionar, a dar um jeito de nos encontrar por acaso nas feiras, no mercado.
Esbarrar um no outro, em filas na escola, roçar um braço, sem dizer palavra.
Um dia, maldito dia! Veio o acidente
de carro, o coma, a perda da memória e o chip implantado no pescoço para
reanimar o cérebro. E, finalmente, o choque: você não mais se lembrava de mim!
Eu era uma desconhecida. Quando saiu do hospital, era outro garoto, mais gordo,
indiferente, nem sequer me via. Conheci pela primeira vez o sofrimento de
verdade, a frustração e, finalmente, o afastamento total. Gita não mais tocava seu coração! Eu ficava a passear pela praça,
só, tentando me acostumar com o inusitado da situação com que eu teria que
conviver. Você foi ficando cada vez mais alheio, perdido num mundo desconhecido
e novo. Indiferente, aparvalhado, sentado na porta de casa de uma cidadezinha
quente, alheio. Eu tentava trazer você de volta com sucessivas visitas e
conversas que não faziam mais sentido, não rendiam mais nenhuma sensação. Você
ficou perdido num mundo do qual eu nunca mais faria parte.
Foto: Girlaydy Costa
Dairan Lima nasceu em Dueré/TO. É poeta, formada em
Letras Vernáculas pela Universidade Federal de Goiás. Professora aposentada da
rede municipal de ensino, mora há 39 anos em Goiânia. Autora de Vermelho (Pantheon) e tem poemas publicados na
antologia As dores de Josefa (Coleção
e/ou – Selo Naduk).
Canal da Dairan: https://www.facebook.com/dairan.lima
Girlaydy Costa é fotógrafa urbana e designer gráfico
que sempre diz que a fotografia é, para ela, o seu equilíbrio que sempre permite
uma busca por conhecimento e entrega.
Canais da Girlaydy:
https://www.facebook.com/girlaydyfotografia/?ref=bookmarks
Instagram: @girlaydy
3 comentários
Amei a experiência de ser publicada por aqui!
ResponderExcluirAin... Dairan, obrigada por colaborar na construção deste espaço livre de expressão literária. Seja sempre bem-vinda. Beijo.
ExcluirÔ...quem na vida já teve um epsódio emoldurado pela pugência de Gita sabe....
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