A múmia
segunda-feira, junho 11, 2012
Para a Nega solitária, estava mantida a
expressão do desejo de envelhecerem juntas. Porque tudo dito por Lilu valia pra
sempre. Talvez por isso, ela valorizasse tanto o silêncio, a palavra e não se
constrangia em falar, quando mudava de ideia.
Em momentos lúcidos, acordada e sem melancolia,
a Nega investigava seu íntimo fazendo previsões xamânicas para um futuro
transformado pelo sentimento. Um tempo em que todas as coisas seriam diferentes
− ainda que as mesmas −, em que projeções se confirmariam porque têm base na
ficção (e em flexibilidade que somente ela tem).
De outra forma, sem o verniz da sobriedade, ela
se fantasiava para empreender fuga, para negar a espera com estilo, se rebelar
contra o desassossego vadiando até os 50. Muitas vezes. Muitas vezes, afetada
pela urgência.
Inimiga declarada do tempo, a Nega tinha contra
ele uma única arma: desprezo. Mas não conseguiria, por muitos anos mais,
manter-se imune utilizando um patuá de plástico, sem que a prisão voluntária na
ilha se revelasse no fracasso que é viver um grande Amor desacompanhada.
No encontro daquela noite de sábado, a Nega
abraçou sua amada como se fosse um manto vermelho de seda egípcia, sentiu seu
cheiro, que é bem do jeito que ela gosta. Despediu-se
em seguida e foi respirar o mundo, procurá-la noutros lugares.
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