Entre o segundo e o milésimo

quinta-feira, agosto 11, 2011

Me matriculei na especialização em arte contemporânea da universidade federal. Como não fazia terapia na época, esse era meu melhor momento da semana. O tempo das aulas de Carlos Sena era marcado pelas batidas de meu coração juvenil maior de 30, em compasso acelerado entre o segundo e o milésimo de segundo. Eu tinha certeza de que ele me notava em sala de aula, mas minhas intervenções (algumas desconexas motivadas pela paixão) não eram suficientes para provocar clima de revelação.
Passada a fase mais ansiosa a gente já se ouvia sem interrupções de minha parte. Exibi as pernas tantas vezes, fiz menção aos museus pelo mundo, criei polêmica, plantei dúvidas éticas nas discussões de grupo. Era tudo tão sincero, tão visceral e nem sempre muito conveniente. Mas o amor conduz as coisas de forma meio desastrosa. Ainda bem que Woody Allen existe e sempre cuidou para que gente como eu tivesse justificativa plausível para ser assim.
― Desista de mim, aconselhou o professor, durante o intervalo da aula.
Fechei ciclo, finalmente, adquirindo uma obra de Carlos Sena, cinco anos depois. Uma mulher alva de olhos magnéticos e boca vermelha à espera de um sinal sob o véu translúcido. Ao fundo,  aquele papel de parede hipnótico.

You Might Also Like

0 comentários

Subscribe