Confirmação das hipóteses 4 e 8 sobre Lilu

quarta-feira, março 30, 2011

Cumprindo o papel de boa amante, nunca exigi de Lilu exclusividade. E ela cuidava de minha auto-estima afirmando que eu tinha um lugar que era só meu no coração dela. A primeira vez que ouvi isso achei que já tinha lido em algum almanaque de farmácia ou em livro de Jorge Amado. Mas à medida que me envolvia com tudo aquilo, a frase soou terrivelmente confortadora.

Um dia fui surpreendida com a notícia de que o fim de seu relacionamento era “irreversível”. Foi a própria Lilu quem me disse e eu não havia perguntado. Só falávamos sobre o assunto quando ela desejava. Era manhã de domingo, a cidade estava deserta e estávamos paradas no sinal vermelho, sombreadas por um viaduto. Recebi aquela informação e, sentindo necessidade de dizer alguma coisa, falei a verdade, que lamentava muito que houvesse sofrimento em tudo aquilo. Sua angústia era visível, inflada, vazia, desbotada.

No íntimo, acabei preocupada comigo mesma, temerosa de descobrir que Lilu havia me interessado, até então, porque jamais seria minha. Horas depois, a dúvida se dissolveria aos 42 graus na cama. Vasculhava as entranhas enquanto lhe dava prazer. Tudo estava ali, dentro de mim, intocado e com potencial de crescimento, se flor de cajueiro fosse finalmente livre para dinamitar as paredes que encerravam o amor por mim na despensa de seu coração.

Me inspirei nesse episódio e em Tim Maia porque, de frente uma pra outra, eu ainda estava disposta a ser a Nega, depois de tanto tempo. Falei de meus predicados, citando inclusive aqueles enumerados por ela no texto “Neguinha”. Manifestei o desejo de mudança, ajuste, adequação, transformação, recondução, reeducação, reengenharia ‒ e do que fosse preciso ou que ela achasse mais adequado ‒ para expressar o meu pedido de uma segunda chance. Mencionei também o fato de que eu havia construído uma obra poética, intensa, aberta, linda, original, dinâmica dedicada a ela e que muita gente proporia casamento por menos.

— Eu quero ser a sua mulher. Apelei antes de desistir, retomando um assunto antigo.

Lilu segurava minha mão e me olhava atenta nos olhos, mas estava em Marte. Comentei por fim ter aprendido com ela a amar alguém que me amava e que isso me encorajara a revolver o passado.

Já não havia mais palavras e o sol das 10 horas se lançava em minha direção intensificando o incômodo daquele monólogo, quando flor de cajueiro se levantou e foi embora sem nunca mais voltar.

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