Quando solidão é liberdade
quinta-feira, março 10, 2011Tudo começou quando entristeci. Desliguei o celular, não apareci mais para trabalhar. Dormi o quanto pude. Acordava para tomar água depois de esvaziar a bexiga. Sumi por uns tempos consumindo o que havia na geladeira. Não dei mais notícias e as pessoas respeitaram minha decisão. Ninguém apareceu, ninguém se comunicou.
Uma gripe terrível me acompanhava naqueles dias escorridos. Saí de casa num domingo bem cedinho para respirar profundamente e tomar um pouco de sol. Na tentativa de permanecer sozinha, escolhi um lugar onde poderia não encontrar conhecidos. No parque não havia viva’lma e me deitei na grama buscando sentir todo o corpo, aparentemente ainda adormecido.
Quando a manhã foi amadurecendo, as pessoas brotaram aqui e ali. Todos cuidando de suas vidas, nem me notaram. Não olhei pra elas e elas não olharam pra mim. Uma criança guiando um cachorro se aproximou e passou bem próxima sem manter contato visual. Eu tinha conseguido colocar em prática o plano de me tornar solitária. Mas para além disso, não havia plano algum, eu poderia ficar ou seguir sem destino.
Voltei caminhando para casa, curtindo a invisibilidade. Ensaiei uma dancinha na esquina da Rua 7 com a Rua 6 e ninguém se tocou. Ainda não entendia bem como funcionava a solidão, aquela era uma fase experimental, mas de princípio a comparei a um tipo de liberdade que não conhecia.
Aquele excesso de novas sensações me inspirou sobremaneira e quis escrever para alguém especial que, em seguida, não se sentisse encorajado a bater em minha porta. Risquei da lista a primeira opção, afinal, não me ocuparia ainda de quem me apresentou a tristeza. Mais adequado seria escolher entre os amigos queridos que não encontram tempo para a amizade. Carinho, confiança e distanciamento seria perfeito.
Fora de cena há tantos dias ‒ eu nem sabia quantos ‒ imaginei que minha mailbox estivesse transbordando. E realmente estava, os spams haviam tomado conta como erva daninha que sobe paredes. Fora eles, nada direcionado a mim! Um arrepio abalou cada pêlo existente em meu corpo, um jato quente de sangue enrubesceu minha face ao mesmo tempo em que senti ser atravessada por um fio gélido na coluna vertebral. Boca seca, olhos arregalados.
Meus dedos não me obedeciam na busca atônita das letras no teclado. Estremecida, entrei numa sala qualquer de bate papo. Falei com todos. Pedi socorro. Eu não suportaria mais o silêncio. Insisti, sem retorno. Gritei com todos. Nada, ninguém...
Eu estava morta.
6 comentários
não me ocuparia de quem me apresentou a tristeza... perfeito, triste, perfeitamente e imperfeitamente triste, e verdadeiro, como lutar contra o sentimento que quer sobrepujar o orgulho para apenas se permitir transparecer, inocente, como sempre é, o amor verdadeiro.
ResponderExcluirpois na solidão total, mesmo em vida, está a morte.
ResponderExcluirPrezada Liz Angel, é sempre revigorante receber comentário de leitores e leitoras. Interessante como este texto, escrito em março de 2011, chama a atenção das pessoas. Talvez porque a solidão é própria da humanidade e toca tanta gente. Foi minha convivência com Laura Passing que me alertou para isso... rs.
ResponderExcluirGosto muito de sua observação sobre o Amor sobrepujando o Orgulho. E em momentos de total isolamento como este pintado no texto, às vezes fico pensando se os dois não seriam pecados capitais.
E mais Liz: Vejo tanta beleza na tristeza... E talvez por isso haja tanta "morte em vida" na obra que continua sendo escrita à medida que o Projeto Esfinge avança, comentando, transformando e difundindo "Sem Palavras".
ResponderExcluirQuem acompanha o romance literário de ficção no tempo de publicação dele e quem também acompanha o conteúdo produzido após 6 de novembro de 2010, disponível no blog entre 3 de janeiro de 2011 até os dias de hoje, pode perceber que o sobrenome de Laura é como uma maldição. O Amor por Brisa não passa! Morte é, também, viver um clássico.
Quem, nos tempos líquidos, vive um clássico?
ExcluirA reedição dos clássicos vai continuar enquanto houver a Humanidade. Por que não um clássico romance líquido? A relação tempo/espaço interfere na Cultura e, portanto, deve impactar na ética, na estética, em você, em mim.
Excluir